sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO DE JC

Nem todo filósofo é ateu. E vamos dizer a verdade: até ateu e até eu se não fosse o que professo ser seria favorável a mais um feriado, mas é claro que é muito mais. Esta é pra ler depois da festança e dos votos e augúrios. Quem quiser que leia, pois toma um tempinho: cinco por cento do que gastou o autor para chegar a essa bem planejada simetria e isolamento em parágrafos. Exercícios nem tão espirituais assim. Sea lo que sea. Amargo? Pode ser. Um brinde de Fernet - ou está mais pra Campari, com aquele toque doce?


Amigo oculto

Generoso fez o último risco na parede e sorriu, contemplando todos os dias que passara ali na cela, junto com colegas menos afortunados. Agora vieram avisar que ele receberia indulto de Natal e poderia voltar para a liberdade. Os outros detentos o elogiavam ou faziam piadinhas. José Generoso pediu que o chamassem pelo nome. Que parassem com apelidos, pois queria começar vida  nova com o velho nome.

Celina examinou as mercadorias dos camelôs, mas não gostou de nada. Por um e noventa e nove parecia-lhe difícil agradar à amiga secreta. Não queria brincar daquilo, mas o terapeuta achou que lhe faria bem. Seria bom entrosar com a turma da repartição e recuperar a auto-estima. Tinha ficado triste desde que o noivo fora preso e sempre se achava um pouco culpada e envergonhada. Por fim, quis confraternizar e até escreveu uns bilhetes.

José reunia as poucas coisas. Deixou para os colegas os cestinhos de palitos de picolé que não conseguira concluir. Era um passatempo que agora perderia o sentido. Prometeu visitar os colegas, trazer cigarros, entregar as cartas que mandavam aos familiares. E, sobretudo, pensava em si e na vida que deixara. Sua besteira estava paga. Agora era rever a noiva, conversar muito com ela, vê-la feliz e casar-se em breve.

Celina encantou-se com um porta-jóias que era uma caixinha de música. A bailarina dançava sobre um espelho e ela se lembrava de tudo que já quisera ser. Sonhara com a dança, mas logo teve que trabalhar em tantas funções pouco criativas. Agora o trabalho valia como ocupação, para que não pensasse em coisas ruins. E, afinal, havia coisas boas na vida: seu noivo ia sair da prisão. A colega certamente gostaria da caixinha de música.

O rapaz retirou da parede os recortes de revistas que serviram para lembrar de um mundo bom lá fora. Os posters de garotas deixou para os colegas. Leu as frases que escrevera na parede, onde tentava se iludir dizendo que lá fora há também muita gente sem liberdade, enquanto que ali, embora entre grades... Fechou a mochila e suspirou, achando incrível que um dia pudesse ter saudades daquele lugar terrível.

A moça abriu o embrulho e não acreditou. Seu amigo até então oculto tivera a coragem de dar a ela uma jarra de gesso, horrível. Parecia que era usada, mal lavada, encardida, a asa trincada. Que brincadeira de mau gosto! Vinha se esforçando, mas não deu. A vida é injusta.  Perdeu o controle e quebrou o bagulho na cabeça do engraçadinho. Fim de festa. Entram os seguranças. Cacos, gritos, empurrões. E vamos para a gerência.

José Generoso saía pela portaria da delegacia. O sol feriu-lhe os olhos e ele parou por uns instantes para se acostumar. Nem sabia bem o que fazer primeiro. Talvez descer a pé, para ver vitrines e os arranjos das festas de fim de ano. Parou uma viatura. Sai uma moça algemada, cabeça baixa, olhando triste para o chão. Celina passa por José e ergue os olhos vermelhos. Foi o tempo bastante para que ambos dissessem: “Feliz Natal...” (Bento I Borges)




"HOLLYWOOD É AZEVEDO"
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TRANSLATION: THIS IS A BITTER CHRISTMAS TALE. WOULD ANYONE LIKE IT TRANSLATED INTO ENGLISH OR GERMAN? JUST ASK ME TO AND WAIT A LITTLE WHILE.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O CONCEITO DE MUNDO EM A. L. S.

Dois velhos conversando. Eram lavradores e agora passam o tempo a lembrar de histórias de oitenta anos. E também se assustam com os novos costumes da cidade grande. 
Um esconjura: 
- Você viu que absurdo, compadre? Virou um trem esquisito, siô.
O outro concorda e arremata:
- É, compadre. É que nem aquela moda: "Mundo véio tá perdido..." 
O primeiro pondera, com leve discordância, acertando os ponteiros:
- Não, compadre. Pensando bem, o mundo continua o mesmo de antigamente, tal e qual. Os homens é que estão diferentes demais, sem  vergonha na cara. Ninguém respeita mais nada, não é.
- E não é que é mesmo, compadre? Falou bonito agora, nego véio. 
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Assim, o que temos aqui? O conceito de mundo em A. L. S., que vem a ser Antonio Luzardo da Silva, aliás, Tuca, Seu Tuca, Tio Tuca. Não adianta procurar livros dele. Ele não tinha livros, pois não lia livros. E nem escreveu livro algum. Pois tampouco sabia escrever. Talvez não quisesse tanto assim aprender ler e escrever, mesmo depois que deixou a roça e se tornou guarda-noite de um prédio qualquer. Mas lá imaginava canções que algum neto registrava e até musicava. Mais um que deixou parte de uma "doutrina não escrita" e fragmentária. Mais um que impede o mitológico zero por cento de analfabetos. Nem a Suíça pode se gabar. Analfabetos no primeiro mundo? Que los hay los hay.

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O Filósofo do Cerrado não quer promover a filósofo seu tio querido, que não lia e nem escrevia. Não. Vai-se montando um argumento aqui, aos poucos. Este é o segundo passo. Aguardem mais lenha. Nosso Filósofo, esse sim com títulos e tudo ou quase, poderia escorar-se em Gerd Bornheim, por exemplo. Para ele, que escreveu uma ótima introdução à filosofia, as crianças são as primeiras a colocar as questões básicas e inescapáveis. A fenomenologia preza a humildade. E o Sr. Bloch da revista Manchete reunia sacadas infantis na coluna "Criança diz cada uma". Confiram.

Nem todo mundo (ops!) é filósofo. O complemento dessa convicção nada obscurantista, portanto, é que tampouco devíamos aceitar um tipo de ataque ilustrado à filosofia. Por exemplo, uma professora dizia que o grande filósofo brasileiro era o Millor Fernandes. Ora, isso inibe os demais. De repente, nessa classificação, o Filósofo do Cerrado ficaria entre o Didi Mocó e o bem-votado Tiriica, quando muito. Era bom ler alguma "Fábula fabulosa", mas... se o meio é a mensagem, esse "escritor sem estilo" não está em seu elemento.

E acontece que a dita professora, muito respeitada e querida, aliás, abandonou a filosofia, para trabalhar na burocracia de algum ministério em Brasília. Ela nos deixa de certa forma dependurados no pincel, já que não permaneceu no páreo das vaidades acadêmicas. Woody Allen também sofre desse complexo besta: sempre a agredir os (pseudo) intelectuais. A piada sem graça é supor que os parênteses funcionem, pois não temos como e nem porquê listar os autênticos pensadores. E Mick Jaegger teria dito que ninguém precisa ter um Ph.D. para ser feliz. Ora, poderíamos dizer o mesmo de iates e jatinhos. Precisar não precisa.

Enfim. Uns estão aquém da filosofia, embora possam acertar com distinções apropriadas e frases felizes. Outros se julgam além dela e de certa forma acham que seu sucesso sem diploma cacifa  sua capacidade de dar palpite fora de suas alçadas. E o Filósofo do Cerrado - que não está em nenhuma dessas galeras - ajunta ambos os partidos no mesmo post. E não sabe bem aonde isso vai. 

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TRANSLATION - Two old men are talking about immoral aspects of our nowadays urban life. After referring to some scandals, one says the world is lost. The other agrees, but the first returns to make a correction; The world remains the same as before; people is becoming different and worse, etc. Well, one could announce this as "the concept of world in A. L. S.", but this is the name of an illiterate farm worker, who could now and then find a good expression or correct a wrong point of view. He left no books and not even a non writen doctrine. But this blog doesn't intend to transform this simple mind into a philosopher. Philosophy - as many other sophisticated conversations - is not for everybody. This is just a scene to work on. Next steps coming soon.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

GANHA QUEM CHEGA POR ÚLTIMO

O Filósofo do Cerrado não está desesperado para produzir e nem quer aparecer no guia Who is who da academia. Demorou meio século para aceitar essa tara de ser filósofo, whatever that means. É devagar, é devagar, devagarinho, como canta Martinho da Vila. Devagar, mas não parando. Nem quase parando. E nem é por causa da latitude, da malemolência dos trópicos, nem nada. É por causa da coisa mesma. Certa vez uma jovem trácia disse que o Filósofo do Cerrado era muito devagar e que precisava tomar um biotônico. Com muita paciência, na aula seguinte, o dito cujo apareceu com uma tartaruga.

Uma tartaruga na capa de uma revistinha. E uma frase. Que bela defesa essa! Quem poderia encontrar melhro advogado que Wittgenstein? Pois com ele era tipo "cala a boca, Zebedeu!" Ou... "vou dar um tempo".

"Na corrida da Filosofia, ganha quem consegue correr mais devagar. Ou quem atinge por último a meta" - eis a frase de Ludwig, que serve de mote para esta raríssima revista Aquiles - ensaios de análise filosófica.
Esse número um, no ano um, acabou se tornando o número ùnico. Creio que nunca foi retomada a publicação, mas era algo mais que um impresso. O grupo se reunia e discutia um tópico. Anotavam resumos de argumentos, com réplicas e tréplicas. Tudo muito resumido e clean, elegante. Fui a uma ou duas reuniões na casa dos Carrion em 1984, ano da publicação. 
"A inspiração original foi a revista ANALYSIS, de Oxford, que traz artigos curtos e diretos", conforme a "Circular", na última página, a p. 64. Doze artigos nesse espaço. Coisas como "A questão da justificação das regras" (Rejane Carrion), a Verdade (Raul Landim), "O desregramento da beleza" (Valerio Rohden).

O Filósofo do Cerrado não foi muito longe com a filosofia analítica, mas preza Austin, Quine e Ryle. O ensaio "Expressões sistematicamente enganadoras" e mesmo a história escrita por Passmore são leituras elegantes que cativam e se mantem mesmo depois de tantas novidades e decepções.

E voltar-se-á este blog em grande estilo (ou seja... piece-meal investigation) ao dilema constante da existência de filosofia brasileira, no singular ou no plural - ou a negação de algo parecido ou inferido em tal rubrica.  Aguardem. Calma, pois é devagar, devagar, devagarzinho.

Devagar, por favor!
Roulez doucement
Despacito
Slow please 

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PS.: Aquela aluna e o Filósofo do Cerado ainda se comunicam, de boa. E ela também se tornou professora, com pós-graduação. Uma outra leva a sério o gosto pela corrida em maratonas e também faz bem à filosofia que faz bem às pessoas que querem bem aos animais e coisa e tal.

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TRANSLATION: Never mind if you think you are going too slow in the path of philosphy. Our philosopher was once compared with a turtle. He was not angry nor sad with the girl who said that in his classroom. He brought next week this philosophical journal Aquiles, which quoted Wittgenstein: "In the race of philosophy the winner wil be the one who runs slower. Or the last runner who reaches the end strip". This journal had only a first issue and was interrupted, but theis editors planned it to be as Analysis, from Oxford. And in fact it was a good example of analytical philosophy in Brazil, 1984.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O PRIMO BORGES E ESTE SER IMAGINÁRIO

O Filósofo do Cerrado sempre brincou com esse parentesco, tipo afinidades eletivas. Costuma chamar de primo o Jorge Luis. Na verdade, o marido da Maria Kodama era a cara do Tio Otávio, aliás Otávio Martins Borges. Sempre bem vestido e elegante, mesmo quando vinha filar uma bóia. E só agora pode-se saber que Tiotavo era solteiro por um motivo bem conhecido de Nabokov e do autor de Áleph: Lolitas. Claro, a genética não explica tudo e há gens recessivos, por supuesto. Tampouco herdou terras o sobrinho.

Os argentinos se esforçam - com razão, admita-se - para provar que o Borges deles é, de fato e de direito, um genuíno filósofo. No Brasil, é infundada qualquer suspeita de que do mato torto e cascudo do Cerrado possa sair um coelho digno de Lewis Carroll. E preá não vale na briga de cachorros grandes.

O Filósofo do Cerrado visitou Buenos Aires e garante: eles não tem tantas bibliotecas e livrarias assim, não. Verdade é que agora o Aba Poru é deles. E a cerveja Quilmes é nossa. Muito boa a Quilmes Bock. Mas ali, diante da casa onde morou Jorge Luis, na rua que leva seu nome, ocorreu um insight. Ao ver o palacete de tijolinhos à vista e linhas angulosas, onde funciona o salão de cabeleireiros Maldito Frizz, teve o subscritor (ops!) deste blog uma revelação apofântica ou epifânica, tanto faz: o filósofo do cerrado é um dos seres imaginários do livro do primo Jorge Luis Borges. O Macaco da Tinta, talvez. E macaco é o signo chinêsdo signatário.

Aqui você não encontra "resumo de trabalhos escolares", mas pode ler rapidinho sobre essa figura escrota:


[O trecho está em O livro dos seres imaginários, editora Globo, 1996, página 96. A foto de Borges saiu no livro História universal da infâmia, editora Assírio & Alvim, Lisboa. Tradução de um certo... José Bento]
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TRANSLATION: The author of this blog always tried to make fun with his famous "cousin" Jorge Luis, who looks like old uncle Otavio. This one had also a kind of nabokovian preference for Lolitas - and died unmarried. He was also a gentleman, but had left no land heritage for his nephew, who has then not enough money and influence to become a diplomat and leave in Genéve or Paris. But Buenos Aires could bring him some light: our Savannah Philosopher had a very revealing insight just in front of the house where Jorge Luis Borges once lived, now a hair saloon called Maldito Frizz: the Subsrciber of this blog is much of a "imaginary being" such as many of the ones collected by Borges and Margarita Guerrero. The argentinians struggle to prove that JL Borges was a genuine philosopher. And they are right. Count on me.  In their neighboring country it's a waste of time to expect that out of a dry bush of the cerrados a rabbitt could ever jump as one did in Lewis Carrol's tale. This unkown philosopher could for instance be the "monkey of the ink" [Wang TA-hai, 1791] and this ink drinking figure is also the philosopher's chinese sign.

Macacos me mordam! Nenhuma visita a este blog em um dia... Vamos ver se a imagem atrai mais que o texto. Monkey see monkey does. Monkey see, se manque.
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Ink Monkey, 1983
El mono de la tinta

ink and watercolor on paper / tinta y acuarela sobre papel
9 7/16 x 13 3/8 in (24 x 34 cm)
© 2003 Francisco Toledo / Licensed by VAGA, New York, New York

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

ENSAIO SOBRE FOTOGRAFIA NEM TÃO ANTIGA ASSIM

Eis a fotografia inteira de Dindico e família. Ele, Dona Biluca, Branca e os menino-home.
Essa foto deveria ser em preto e branco, talvez até amarelada pelo tempo. Mas já era colorida, por volta de 1981. Haveria memória sem fotografia? E porque queremos envelhecer ainda mais o passado? Dindico não pode ser nem esquecido e nem lembrado de um jeito diferente do que era e foi. Nem todo mundo é filósofo e talvez não desse para reinventar a filosofia a partir de seu fim: a palavra-suspiro "é" pronunciada pelo Sr. Francisco depois do derrame. Mas o investimento na fotografia até que deu jogo. Visitar a mãe, achar a hora certa de ver fotos e vasculhar a velha lata azul de bolachas Duchen. O scanner e o resto. Só mesmo a Susan Sonntag para nos convencer da filosofia que se ensaia na fotografia. Grandes sacadas. E só bem depois foi possível saber que ela estava mais próxima da fotografia (e de uma fotógrafa). Depois da morte dela. E foto tinha desde sempre tudo a ver com morte. Morte morrida e morte matada: disparar serve pra arma de fogo e para máquina fotográfica. E Sonntag é domingo, dia em que Deus descansou e o Dindico caçava. Caçava o ser esquecido? Encontrou-o talvez no é. Tão urbana a Susan. Como veio parar nesses ermos de cerrado? E agora, quem sabe, who knows, nosso peão vai a NY ou L.A. - com seu chapéu de palha e seu lado esquecido. 
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------TRANSLATION: This picture should be in black and white, maybe a little yellou. Round 1981 there were collor pictures. Were there memories out of photographs? Why do we need to turn old stories even older. Not everybody can be a philosopher, for sure. We certainly couldn't consttruct a whole philosophy out of a single word such as "yeah". In the other hand, the talk about photography can take us further. Susan Sonntag knew quite well how images can make us think. After her death we could also confirm his thesis about the connection of portrait and death. Sonntag means sunday, a sacred day, when even God took a rest. Dindico would rather have fun on sundays, going out into the savanna to hunt, searching beasts ant the forgotten Being itself. Did he meet it? Well, Susan is an urban woman. What is she doing in these vaste wilderness? And now, taking turns, our unknown spechless peasant can certainly go as far as to NY and L.A.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O SER ESQUECIDO E UM SUJEITO DESCONHECIDO

Martin Heidegger vivia na Floresta Negra da Alemanha e ninguém queria mais lhe arranjar um emprego na academia. Divertia-se com jogos de palavras, tipo "Holzweg" e "o nada nadifica". 
Nada sabiam vocês sobre o Dindico. Até agora. Francisco de Tal vivia no Cerrado mineiro e falava pouco. 
Trabalhava com Seu Olavo. Não trabalhava-para, nem sob o jugo; trabalhava-com, pois era isso: um Mitarbeiter, um com-panheiro de puxar enxada, moer cana e colher banana em nossa pacífica república. Francisco virou Dindico e, logo logo, Compadre Dindico, pois três ou quatro crianças não iam ficar sem batismo. Deus me livre.
Deus trabalhou seis dias e descansou no domingo. Dindico trabalhava cinco dias e descansava na segunda, pois, no domingo, com o perdão do Criador, ele se divertia como sabia e podia: caçava bichos do mato, quando ainda havia algum. E quando tinha a tralha arrumadinha e as pernas boas pra correr veado e cercar cateto. Até onça encarou. Ela subiu na sucupira. Ele amarrou um dos cachorros no tronco e foi à cidade buscar mais munição. Não sei se acertou. Nesse tempo, não havia Ibama. Entendam. 
De repente, deu derrame. Não se dizia AVC. Parou de trabalhar e de caçar. E quase perdeu a fala. A mulher virou bóia-fria, para dar de comer à família.
Dindico vinha até a rua, última da cidade, perto da franja de cerrado ralo. Um lado esquecido, meio arrastado, arrastando a conga azul.
Dindico quase ficou mudo. Por fim, só falava uma palavras. Mas era a palavra, o termo fundamental, capaz de significar tudo, para confirmar tudo. Diante de qualquer pergunta ou depois de uma longa história contada a ele, para animá-lo, ele só dizia isso: "É..." 

Heidegger lamentava o esquecimento do Ser, sobretudo neste mundo dominado pela técnica, pelos apetrechos e artifícios. Ele que me desculpe, mas é graças à fotografia e à internet que nosso parceiro Francisco - vulgo Dindico - foi aqui resgatado para a história do merecido descanso e daquilo que é para cada um e para todos essencial. 
Aluno de hoje não quer ler muito, por achar que tudo está na net. Nem tudo. Faltava o Dindico e sua palavra, que ocupa pouquíssimo espaço na web. Wéééb...

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TRANSLATION: "Being was forgotten. A guy was unknown". Martin Heidegger couldn't find any academic job and then used to have fun by cutting wood and playing with words such as "Holzweg" and "the Nothing nothings". Señor Francisco lived in brazilian Savanna and worked in the company of Señor Olavo. Francisco would soon be called Dindico and later Compadre Dindico, because his children should be baptized as christians. He worked five days a week, but never on mondays, his particular resting day. Sundays he would do what pleased him: hunt small wild animals. Once upon a time, there were large savannas, many wild pigs and he had good legs to run after them. But one day he had a heart attack and could not work nor go hunting his family's meat. He could hardly walk and talk. He was almost completely mute. He could only say one word, but this was the most important of all words: "is".
After any short quesiton our a long history, he would smile and simply say "é..." (which in Portuguese means both "is" and "yeah"). Excuse-me, Herr Professor Heidegger, but "Being" is not forgotten because of the technique. Thanks to photograph and to internet, everyone now can get acquainted to Francisco, der sogennante Dindico, which could only remember being by saying: wéééb...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

TRÊS CONDIÇÕES DESNECESSÁRIAS E O PAU CERTO

PRIMEIRO, A LEGENDA DA FOTO: IPÊ VERDE NA SERRA DA CANASTRA, OUTUBRO 2010. A ÁRVORE SE CARACTERIZA POR ESSE TRONCO SINUOSO, MAS COSTUMA SER MAIS LONGILÍNEA QUE ESTA, CRIADA NO DESCAMPADO. EM BREVE VOCÊS VERÃO AQUI A FOTO DA FLOR DO IPÊ VERDE, QUE É VERDE. 

E AGORA TRÊS CRITÉRIOS QUE PARECEM MAIS DESCULPAS PARA AQUELES QUE SOFREM DE UM COMPLEXO ESPECÍFICO DE INFERIORIDADE: NÃO EXISTE FILÓSOFO NO BRASIL E NEM "DO" BRASIL. POIS BEM, SEGUINDO A LISTINHA DE GONÇALO ARMIJOS PALÁCIOS*, RESPONDA AS PERGUNTAS ABAIXO:

1. Você é grego? (  ) SIM 
                            (  ) NÃO

2. Você é um gênio? (   ) SIM 
                                (   ) NÃO

3. Você já morreu? (   ) SIM
                               (   ) NÃO 

Resultado do teste: se você marcou "não" em uma, duas ou nas três perguntas, tudo bem. Mesmo assim, você pode ser filósofo. Esses critérios, além de desnecessários, são insuficientes, é claro. Para ser filósofo, você precisa estudar filosofia e querer filosofar. Há certas ferramentas, segundo M C-T, que o sapateiro utiliza para merecer o título e exercer o ofício. E não confunda açougueiro com magarefe e nem contador/contabilista. Assim também, filósofo não é apenas sofista. Mas chega disso. Enquanto você cria coragem, lembre-se: o cerrado está cheio de pau que nasce torto e de gente que acredita que tortura tem fim e tem conserto. Tortuosidade também, o que já lembra um ótimo texto em que a Tortuga de Aquiles sucumbe a este esperado trocadilho. De Lewis Carrol?

*EM TEMPO: O livro de Palácios exibe o revelador título De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Goiânia, Editora UFG, 2000.

TRANSLATION: This tree is a variety of "Ipê" (Tabebuia), with green flowers to be found in some regions of Brazilian savana. In Canastra Natural Park, for instance. And then three unnecessary conditions concerning the possibility of becoming a philosopher: as the title of Gonçalo Armijos Palácios puts it: you don´t need to be born in Greece, nor be a genius, nor even be already a dead person in order to "make philosophy". This is a special help for students and everybody outside Europe. Nonetheless, these unnecessary conditions are also insuficient, because you should study in order to achieve skills and tools and one must also wish to say "I am a philosopher". 

ÜBERSETZUNG: Es ist nicht leicht so ein Baum zu finden. Das ist ein grün "Ipê" (Tabebuia) aus Canastra Naturpark, Brasilien. Seine Blütten sind grün. Es ist auch möglich ausser Europa Philosophie zu treiben oder schreiben, obgleich Du kein Genie bist, nicht in Griechenland geboren wurde und noch nicht Tot bist. Das gilt als Titel des Buches von Gonçalo A. Palácios: De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. (Goiânia, Verlag Editora UFG, 2000)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

EU NÃO MORO NA TORRE DE MARFIM

O filósofo do cerrado é mineiro e gosta de falar 'trem'. E até trenheira (al. Sacherei). E de viajar de trem, como este aí, na Suiça, de Zurique a Genebra. Bom demais da conta, sobretudo quando já não se tem mais professor, nem prazo e nem agência a pressioná-lo. (Um abraço, Dona Helga Wahre! E à patota do DAAD... Valeu!). 
Com isso, vai um pouco do perfil do remetente, que não é de ficar devendo. Foto de 2007, sem grandes mudanças. Uma que outra nova marca de expressão. Na falta de listas, pego carona em um texto de Peter Handke (nascido na Áustria em 1942). Eu traduzi isso do alemão. Me pareço um pouco com isso. Aliás, divergir disso quem há de?("Pega o trem azul, o sol na cabeça..." Lô Borges)


Peter Handke

O que eu não sou, não tenho, não quero, não gostaria – e o que eu gostaria, o que eu tenho e o que eu sou

(Biografia em frases)


O que eu NÃO sou:
Eu não sou nenhum desmancha-prazeres
Eu não sou alguém que engole qualquer coisa
Eu não sou nenhum filho da tristeza

O que eu em PRIMEIRO, SEGUNDO e TERCEIRO lugar não sou:
Eu não sou, primeiramente, um sonhador; em segundo lugar, nenhum eremita; e, em terceiro lugar, nenhum habitante de uma torre de marfim.

O que EU NÃO sou:
Eu não sou um eleitor para voto de cabresto.

O que eu INFELIZMENTE não sou:
Eu infelizmente não sou nenhum herói
Eu infelizmente não sou nenhum milionário

O que GRAÇAS A DEUS não sou:
Eu graças a Deus não sou um autômato
Eu graças a Deus não sou alguém com quem se pode fazer o que quiser.

O que eu DEFINITIVAMENTE não sou:
Eu definitivamente não sou um fantoche
Eu definitivamente não sou um enfermeiro de hospício
Eu definitivamente não sou um depósito de lixo
Eu definitivamente não sou uma entidade de caridade
Eu definitivamente não sou um consolador de almas
Eu definitivamente não sou um estabelecimento de crédito
Eu definitivamente não sou um capacho de vocês
Eu definitivamente não sou um balcão de informações

O que NA VERDADE não sou, MAS TAMBÉM não sou:
Eu na verdade não sou covarde, mas também não estou cansado da vida
Eu na verdade não sou alguém que despreze o futuro, mas também não sou um idólatra de todas as novidades
Eu na verdade não sou um militarista, mas também não sou um defensor de uma paz                                                                                preguiçosa
Eu na verdade não sou um adepto da violência, mas também não sou um saco de                                                                                           pancadas
Eu na verdade não sou um pessimista, mas também não sou um utópico ingênuo

Eu não sou NEM ISSO NEM AQUILO:
Eu não sou nem um nacionalista, nem um indiferente
Eu não sou nem um fanático pela ditadura, nem um defensor de uma democracia compreendida erroneamente

O que eu não TENHO:
Eu não tenho o prazer de enfiar o nariz nas oportunidades de pessoas estranhas.

O que eu não QUERO:
Eu não quero causar sensação

O que eu não quero, MAS:
Eu não quero dizer que tudo está em ordem aqui, mas...

O que eu NÃO quero, MAS TAMBÉM não quero:
Eu não quero contar todas as minhas vantagens, mas também não quero ter falsa modéstia

O que eu não GOSTARIA:
Eu não gostaria de atirar a primeira pedra

O que eu GOSTARIA:
Eu gostaria que nós nos tolerássemos

O que eu QUERO:
Eu quero sempre apenas o melhor para vocês

O que eu QUIS:
Eu sempre quis apenas o melhor

O que eu TIVE:
Eu tive antes opiniões semelhantes

O que eu TENHO:
Eu tenho meus próprios problemas

Para o que eu ESTOU:
Eu estou para o que der e vier

Onde eu TAMBÉM AINDA estou:
Eu ainda estou também aí

O que eu TAMBÉM ÀS VEZES sou, MAS ENTÃO DE NOVO:
Às vezes eu também tenho a opinião de que isto não continua assim, mas então de novo...

O que eu SOU:
Eu sou isto!
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>Post-scriptum: Quando escolhi para título deste post a expressão "Eu não moro na torre de marfim", retirada do poema acima, eu não sabia que anos depois, em 1972, ele publicou uma coletânea de ensaios com o título "Ich bin ein Bewohner des Elfenbeinturms", ("I Am a resident of the Ivory Tower"),ou seja: Eu sou um morador da torre de marfim. cf. Wikipedia

terça-feira, 16 de novembro de 2010

FILOSOFANDO ÀS PAMPAS com ERNILDO STEIN & CIRNE-LIMA

O filósofo do cerrado espera ser lido, como dizia Montaigne, pelo sujeito mediano - mas não medíocre: nem o analfa abestalhado, nem o pedante metido à besta erudita. Uns não sabem ler ou não querem. E outros acham que sabem demais. Querem saber de uma coisa? Eder Jofre só lutava com outro peso-pena. Fair play começa assim: exibir as armas antes do duelo.

Este blog pode servir para duas galeras: os que acham que não existe filósofo no Brasil e os que estão ainda com medo de estufar o peito e dizer com a boca cheia: "yes, eu sou filósofo!" Wie so nicht?

O filósofo do cerrado teve a subida honra de aprender com dois filósofos brasileiros: Ernildo Stein e Carlos Roberto Cirne-Lima. Mas quem os reconheceu como tais? Por exemplo, o filósofo equatoriano, residente em Goiás, Gonçalo Armijos Palácios.

[Ah!... Goiás, Equador...] Lá vem o preconceito, de novo? Palácios estudou quase sempre nos States. Seu orientador foi Milton Fisk. Por coincidência, traduzi texto desse raro comunista norte-americano: "Is democracy enough?" Melhorou agora a credencial?

Pois, então, como eu ia dizendo, Palácios reconhece que no Brasil é possível fazer filosofia mesmo, algo mais que comentar idéias dos outros. Quem tiver coragem pode demarcar como fez Cirne-Lima: "Até aqui é Hegel. Daqui em diante, sou eu falando". E ele falou no livro Dialética para principiantes e em cursos montados em DVD. Um grande achado o seu "Galo da Madrugada", que dá de dez na triste coruja crepuscular de Minerva. É pra cair no frevo do sempre ainda com fantasia de desde sempre.

Stein avançou em Órfãos da Utopia e dezenas de livros. E, claro, em tantos debates públicos e aulas memoráveis da pós, quando moía todo mundo ou... se retirava em protesto. Competência extrema de um "aristotélico onívoro" que não se contentava com amolar eternamente suas facas analíticas.


Não vou contar histórias hoje, baita terça-feira depois de feriadão. E haveria algumas com Stein e seus rompantes, Cirne-Lime e sua fonte de águas em três níveis, num canto do Central Park de Poa. Sim, uma figura em pedra para a velha dialética. Ali onde cantava perdida uma Cariama Cristata do Mato Grosso.

E nem vou anotar o título do livro de Palácios. Não  posso matar a piada do próximo post, que vai fornecer aos incrédulos, inseguros e neófitos três critérios negativos ou "concessivos", tipo assim... você pode ser filósofo, mesmo que não... , nem... e nem....


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O FILÓSOFO DO CERRADO DINAMARQUÊS

Este é um dos retratos de Soren Kierkegaard.  A segunda letra do Soren devia ser cortada por um traço em diagonal, pois os dinamarqueses tem esse e outro sinal gráfico, mas eu não vou procurar isso no teclado. Esse prenome já foi traduzido para Severino. E "Severino" é ou era o título de um jornal e/ou blog do grupo de estudiosos brasileiros que se dedicam a Kierkegaard, hoje reunidos na "Sobreski".

Severino é um nome comum no Nordeste do Brasil. Severino, no post anterior, dava as caras que nem um cabra magricela, de chapéu cabanado, decadente. Pois é assim que um jornal de Copenhague  apresentava em caricatura a figura de Kierkegaard, que puxava briga com pastores e burocratas.

Muito diferente esse retrato aqui, de um jovem pancoso, mais engomadinho, parecido com Schlegel. Enfim, é o próprio sedutor, autor de um método exato para a paquera em alto estilo. Talvez fosse assim que esse burguês queria ser visto por sua amada Regine Olsen. Avisaram a ela? Noivado mais esquisito aquele.

Mas onde é que aparece aqui o... CERRADO? De onde menos se espera, salta o preá - do capim mumbeca. 

Um certo dinamarquês de nome Eberhard Harbsmeier teve um artigo publicado na revista Educação e Filosofia, volume 7, número 13, em 1993. Título: "Kierkegaard - pessoa e obra - biografia e filosofia". Hoje é possível ler esse artigo on line, na íntegra e em fac símile. <www.seer.ufu.br>

A revista já se aproxima do número 50 e é um sucesso internacional. Quem diria? Eu diria. Publicada bem aqui no umbigo do mundo, no Portal do Cerrado...

Eis o texto de Harbsmeier que nos convém citar aqui, truncado como sói acontecer em ambientes deste naipe: "Nascido em 1757, muito pobre, no cerrado da Jutlândia, tornou-se comerciante, enriqueceu e mudou-se para Copenhague". Claro, essa data não é a do nascimento de Soren Kierkegaard, que escreveu sobre o pai em seus Diários: "Até os 82 anos de idade meu pai não tinha conseguido esquecer um fato terrível: quando criança, no cerrado da Jutlândia. Pobre pastor de ovelhas esfaimado e sujeito a todos os males, do alto de uma colina enquanto cuidava dso animais, lançou contra Deus uma maldição". [Quem quiser que quebre a cabeça com essa: o pai já não continha o Patriarca de Temor e Tremor?!]

O tradutor do artigo de Harbsmeier foi Karl Erik Schollhammer. E eu não faço idéia do termo original para "cerrado" e nem sei se os geógrafos e botânicos concordariam com esse mapa. Talvez seja algo próximo ao "Heide" alemão, também traduzido pelo termo "charneca", que é português e soa muito mal. Preferimos cerrado, mesmo que na Escandinávia não haja nem sucupira, nem pindaíba e nem siriema.

Eu não sei como se diz cerrado em dinamarquês, mas isso não fez muita falta quando estive lá naquelas lonjuras. Importante é saber que cerveja é "Ol" e cerveja forte tipo bock é "Fadol". E os daneses brindam gritando "Skol", que não é u'a marca e nem minha predileta. E eis uma boa deixa para encerrar qualquer papo de filosofia, por mais tangencial e inusitado que possa ser ou parecer. E mesmo que a sexta-feira esteja longe ainda.

sábado, 6 de novembro de 2010

QUEM NÃO CONHECE SEVERINO KIKI?


Severino,
embora pareça um típico habitante da caatinga,
vivia mesmo é no CERRADO.
Posso estar errado e o tradutor também.
Mas quem não está?

Severino, o homem que foi parar no Principal Porto do país.
Aguardem mais pistas, por favor.
Ora, ora. A filosofia também investiga
e isso demora e a gente
faz suspense.


Skol! skol!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

IPÉ VERDE & SABER-SE O QUE SE É

Esta árvore não tem o naipe de um ipê verde. O ipê verde fica desprezado, pois suas flores não são nem amarelas e nem róseas. O ipê verde tem esse nome por causa de suas flores, que nem notamos. Eu, que fui criado "na saroba e na margaça", nem cogitava tal nome. Mas via sempre duas árvores sinuosas lá na beira do Rio Tijuco, gêmeas simétricas. E planejava amarrar no entremeio uma rede de dormir, qualquer dia que amanhecesse bem cedo. Chamava só de árvores. 
Pois só agora ao ler e ver o livro de Frederico Ozanan, juntei o nome à figura: ipê verde. Graças ao fotógrafo e à legenda da imagem. E não é que ali no trecho de Tapira para São Roque de Minas, bem no flanco norte da Serra da Canastra, ali vi e reparei uma baita dessas árvores com flores. Flores verdes, sim. Eu também tirei fotos, pois esse é nosso atual critério de certeza e de revelação.

Por enquanto, fica assim: quem quiser ver belas fotos do CERRADO entre no site do Fred: www.fredericoozanan.com.br e/ou compre seus belos livros.

O lance do filósofo é cá pra nóis diferente, mas nem tanto; não chega a ser um "ganz Anders". Menas. Só que depende de um reconhecimento. Não basta adequar uma etiquetagem, tipo ligue a coluna da esquerda de acordo com a da direita, pois não há uma correspondência biunívoca entre coisas e conceitos. Como diria João Rosa: "se há o nome do bicho, é porque existe o bicho nomeado". Mas não basta, pois qual bicho se sabe como tal, com nome  e tudo? E não haveria nomes ociosos?

O filósofo do cerrado já passou por essa refrega, a do auto-reconhecimento. Podem crer. De modo que, resumindo a prosa: o ipê verde dá flores verdes e este locutor que vos falha é filósofo. Pelo menos, está se achando. E olha que nem todo verde vai ficar maduro. Já é, xará.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"CERRADO POR VACA CIONES"

Caros hermanos latinos e hispano-hablantes,
eu creio piamente que um dia todos nosotros falaremos portuñol.
Já nos parece aburrido leer em caixa de dentifrício a dupla descrição do produto:
crema dental y creme dental. Por suposto, há dificuldades. Por exemplo, para evitar
visitas inúteis a este blog, saibam vocês y ustedes que CERRADO POR VACACIONES não tem quase nada a ver nem com nossa savana e nem com vacas. Quase nada. Sem avacalhaciones ( e sem boicotes),
vale dizer que depois da fronteira em Puerto Fulano, a criação de vacas é "ganaderia". E aí recomeça o problema, pois o mal do desmatamento é o lucro, ou seja, la ganancia, pois o ganado - nem sempre obtido de presente - foi comprado e dá cria. E aí precisa mais espaço. E o cerrado-savana vai virando carvão e pasto, etc. No mais, no Brasil, não se vê a placa de "fechado por motivo de férias". Aqui o cultural se sobrepõe ao lingüístico, pois não temos a cultura de tirar férias e viajar. E ninguém arrisca fechar o loja, com medo da concorrência, na volta ás aulas. Mas isso é outra conversa. Interessante, aliás, pois em França só se compra cigarro e cartão de estacionamento nas tabacarias. E, de repente, você acorda sem cigarro e encontra o quiosque fechado com a tal informação. Enquanto isso, o guarda multa seu DKW. O filósofo do cerrado já passou por essas y otras. Mas ainda não deixou de comer um bife por semana. Bem passado. [Sorry for the lack of translation and images. I am learning how to insert pictures. Die Leser können sowieso was über Regenwald und was ähnliches irgendwo lesen. Danke]

domingo, 17 de outubro de 2010

UM KANTIANO NO CERRADO - homenagem a Valério Rohden


[Este post deveria aparecer em outro blog, o “filosofohabermas.blogspot.com”, mas ninguém consegue destravar o acesso daquilo. Assim, inauguramos um novo blog que poderá durar mais de um semestre. Creio que teremos assuntos e imagens.E já sei que as visitas são raras. De boa.]

O que o nome de Valério Rohden faz em um blog dedicado a Habermas?

Essa pergunta lembra-nos um episódio recente na academia. Valério parecia já brincar com sua própria imagem de “filósofo típico”. Desses distraídos que derrubam água e gravador durante conferências. Em 2008, ele falava em Uberlândia sobre sua recente paixão, a vida.  Goethe dava o tom, ao contrapor-lhe a fria teoria. O tempo ia ficando curto e Valério  começou a excluir folhas e mais folhas. De repente, falou baixo, meio em off: “Vou deixar fora isso aqui. E mais isso. Afinal, o que é que Hegel está fazendo na conferência de um kantiano?”

Neste mês de outubro, a ANPOF, que ele presidiu, certamente vai se lembrar de Valério, no encontro em Águas de Lindóia. A PUC do Paraná já havia organizado um congresso previsto para novembro deste ano, em que ele receberá homenagens. Póstumas, agora.

Para responder à pergunta inicial, recorto trecho da entrevista de Valério Rohden, em 29 de janeiro de 1999: “Há no meu livro Interesse da razão e liberdade” (1981) uma digressão sobre essa relação [o projeto inicial, com Dieter Henrich, incluía uma relação entre as éticas de Kant e de Sartre], mas cujo eixo depois se deslocou para um Kant mais frankfurtiano. Habermas era então uma estrela fulgurante, que favorecia uma ponte entre minhas reflexões kantianas e as inquietações políticas com o Brasil, mergulhado nos piores anos do Ato Institucional nº 5, e com meus colegas em Porto Alegre sendo todos cassados.”

Quando esteve em Uberlândia pela primeira vez, Valério foi conhecer uma reserva de CERRADO que a Universidade Federal mantém. Interessou-se por plantas e aspectos geológicos das margens do ribeirão Panga. Tomava notas em um bloquinho. Tempos depois consultava-me por email sobre nossa palmeira buriti. Na Venezuela ele ouvira que tal nome, variando para murichi, significaria “árvore da vida”. O naturalista alemão Humboldt teria registrado isso quando viajou pelo Rio Orinoco. Em 2008, Valério apresentou-se de novo em nossa universidade para falar justamente de “Teoria e vida”.

Dia 19 de setembro de 2010 é a data da morte de Valério Rohden. Não sei a causa e isso não interessa tanto, pois quando vejo que ele atualizou seu lattes dia 31 de agosto, cabe perguntar “o que posso esperar”, então? Que ele não tenha sofrido já seria uma boa notícia. No mais, é bom nos lembrarmos dele além da ficha básica de tradutor de Kant. A política motivou sua pesquisa. E a vida foi o tema e o interesse maior que coroou seu trabalho e seus dias.

(A entrevista está na revista Educação e Filosofia, vol. 13, n. 25, p. 9-26, jan./jun. 1999 – entrevistador: Prof. Marcos César Seneda. <www.seer.ufu.br> Texto traduzido e publicado também na revista alemã Tranvia, caderno 61, jun. 2001, sob o título “Kant als Schicksal”