O
Filósofo do Cerrado não mantém um
arquivo com esboços de discursos fúnebres para filósofos com idade acima da média
nacional. Sucede que vem ele registrando algumas anedotas e ideias, desde 2015,
que já lhe serviram nessas circunstâncias últimas de alguns conhecidos e
merecedores de homenagens. Claro que para alguns outros poderei, como fez
Habermas, compor uma rápida “anti-hommage”.
E isto não é uma ameaça, nem uma gota de maldade diária do elixir da auto-ajuda
com excesso de sinceridade.
Na
verdade, só achei em minha gaveta duas notas ready made sobre Professor Newton da Costa. Ei-las:
“483 Sobre tarefas difíceis. Quem se habilita?
Newton da Costa, depois de conferência memorável respondeu perguntas, inclusive
aquelas inevitáveis, fora de calibre. Alguém da plateia de engenheiros pediu
uma canja sobre um certo teorema de Gödel. Poderia explicar para nós? Sim,
respondeu o grande lógico, eu poderia falar desse teorema, mas teria que largar
tudo em São Paulo e me mudar para cá, pois só para montar o problema eu levaria
uns três anos, no mínimo. Fuóin..”.
“2192
Um periódico restrito a um pequeno grupo
de especialistas em dízimas periódicas, que só vinha a público lá de vez em
quando.” [Da Costa se referia a uma revista dedicada à nova lógica que ele
vinha desenvolvendo e que só teria uma dúzia de leitores mundo afora. Bastava
um mimeógrafo a álcool, envelopes aéreos e alguns carteiros a pé.]
Adendo às anedotas,
onde apelo para a memória orgânico-espiritual, na qual podem confiar: O famoso
lógico esteve em Uberlândia para uma palestra por entre 1990 e 94, creio eu. E
nem foi a convite da filosofia, não. Os matemáticos e engenheiros teriam
interesse na conversa com o convidado. Mas creio que o “discurso motivacional”
de Costa coube mais e melhor a nossos alunos de filosofia, pois, sempre com bom
humor, o palestrante procurou mostrar novas perspectivas – não para físicos e
engenheiros – para filósofos, como de fato já ocorria em nossa siderúrgica
Villares e na... NASA.
Sim, confirmou ele:
essa agência espacial colocava filósofos na mesa de reunião para criação em ritmo
de brain-storm. E de repente era
justamente um filósofo que vinha com uma ideia maluca do tipo “vamos chegar a
Marte nadando”. E, no caso da nossa empresa de ferro gusa e aços, fez o ilustre
palestrante uma caricatura de nossa figura,
na contramão: “E não pensem vocês naquele barbudinho de calças jeans sujas e
rasgadas. Não; esse filósofo empregado da Villares chega de terno Armani e
pasta 007...”
Lógica, racionalidade e
superstição. Sim, parece título de um TCC de graduação, mas temos que investir
nas contradições e nos enunciados sem valor de verdade definido.
Antes de falar dos números de Newton (e do nome), me ocorre citar outro campeão
da racionalidade, Jürgen Habermas. Surpreendeu-nos ele – em uma entrevista
comum – ao dizer que a história da Alemanha tem um certo azar com o número 9. E
exemplificou com os anos 1949, 1989... embora tenha se esquecido de que nascera
em 29.
Os números. Por que será
que eu me demorei uma semana para preparar esta homenagem aqui? Sucede que era
meu aniversário no dia em que Professor Newton faleceu – quando, sem saber do
óbito, evitei notícias e dedicava-me à cerveja. Pois bem: o nosso grande lógico
nasceu em 16 de setembro (1929) e morreu nesse último 16 de abril. E agora
descubro, ao procurar entender a árvore genealógica do famoso paranaense, que
Professor Haroldo, irmão de Newton, também nasceu em outro 16 de setembro
(1931).
A árvore. Newton
Carneiro Affonso da Costa é filho de Sylvia Carneiro Affonso da Costa e de
Dimas do Cahy Affonso da Costa. E tenho que me contentar com isso, pois cismei
que o nosso bem sucedido lógico fosse descendente do aguerrido positivista
paranaense David Antônio da Silva Carneiro. Conheci a vetusta figura em 1990,
meses antes de sua morte, em evento bastante concorrido sobre a herança de
Auguste Comte. Estive em mesa redonda com ninguém menos que Leonidas Hegenberg,
outro monstrinho sagrado – da filosofia da ciência, no caso – mas isso é outra
história.
O nome. Me agrada um
duplo princípio hermenêutico de auto-compreensão, embora sem poder dizer a
fonte dessa bio-ética num bom sentido: tornar-se aquilo que se é e realizar seu próprio nome próprio. Pois, sim,
o Professor da Costa mesmo conta como encasquetou desde criancinha que tinha
que fazer jus ao outro Newton, que lançou um disco colorido e deu origem a outras
anedotas com maçãs caindo. E provocou uma baita troca de paradigma, como só
outros dois conseguiram tal proeza na física, diria Thomas S. Kuhn.
O que eu tenho a ver
com isso? Ora, quem acha que eu não escrevi sobre – e eventualmente contra – alguma lógica, que
leia minha dissertação de mestrado, quase atolando na filosofia analítica da
linguagem. Grátis na rede, em PDF ou em papel na EDUFU.
De tabela, eu me
encarreguei de buscar um parecerista para avaliar a tese de doutorado de nosso
colega recém aposentado, Professor Dr. Marcio Chaves-Tannús, que veio a ser aprovada
e publicada em 1996, também pela EDUFU e já na segunda edição: A Ética de Pedro Abelardo. Um
modelo medieval de aplicação da lógica à moral. O orientador
dessa tese sobre o sofrido monge – ou seja, algo da obra acadêmica dele, desde
um bem recortado enfoque e tal – foi o Professor Newton da Costa, na USP, à altura
do início da década de 1990.
Agora posso revelar: o
parecerista, talvez recomendado pelo Professor Alberto Deboni, foi o Professor
Celestino Pires, da UnB. E não procurem no Lattes, pois não consta. Está lá um
certo “Vicente Celestino Pires”, que não cantava ópera em circo mambembe e é da
área agrícola. Ou seja, há limites para inquirições de genealogia e sociogramas.
Esgotei o assunto. E
não se contentem com a Wikipedia – da qual, aliás, sou um humilde contribuinte,
doador de grana para manutenção – pois achei duas boas entrevistas com o nosso raro
“lógico paraconsistente” em canais acadêmicos qualificados, de 2012 e 2023. Não
percam a curiosidade, caros e queridas que visitam este blog renitente:
https://revistas.ufpr.br/direito/article/viewFile/31494/20095
https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2023/02/06/newton-alem-de-newton
Agradeço a visita.
Não precisam dar likes explícitos.
Nem dislikes tácitos.
Nem ambos e/ou algo mais.