segunda-feira, 9 de julho de 2012

TROCANDO DE CASCA


Cinema surdo
(ou seja, Cultura de Massa em tempos de mass storage)
Cobra não come rã. A expressão “eu ando devagarzinho com esse negócio de carne de rã” ocorre no filme Cobra. Stallone é quem diz isso a um parceiro, que lhe mostra um brinquedo de borracha, verde, imitando rã. A grande atração do filme é o carro, logo destruído em perseguição: um Ford Mercury 1950. Há dois anos, o Stallone processou a empresa que levaria a leilão o famoso carro, que tinha sido roubado anos antes.
Mais estranha e longa que a frase da rã foi essa, no cinema americano: “eu estava mais assustado que um gato de cauda longa em uma varanda cheia de cadeiras de balanço”. Tomar fôlego.

Tio Milton. O andróide T Mil (T Thousand), feito de metal líquido, no filme Terminator, deve ter sido gravado em movimento enquanto caminhava em uma esteira de academia. Daí aquele estranho jeito de andar, não-humano, muito simétrico.
**********
Ramalhete para E. Ramalho e M. Severo
Marieta. Em 1978, o maluco de meu xará D. Bento F. de F. Lima levou flores para Marieta Severo, na capital paulista. Ela acabara de ganhar um prêmio no teatro. Lilico e eu mal sabíamos que se tratava da mulher do Chico Buarque. O carioca conhecia mais monges dominicanos que nós dois, seminaristas de longa data. Uma correção, em tempos de Wikipedia: o prêmio não era o Mollière. E ela o dividiu com Elba Ramalho, ambas na peça Ópera do Malandro – que li, mas não vi naqueles tempos de ditadura, quando Chico ainda era interrogado pelos DOPS (e defendia corajosamente a anistia e a liberdade).
**********

Sessão da meia-noite. Enquanto este filósofo com queda para a literatura não responde à pergunta “por que não sou um escritor?”, distrai-se com o tema sempre repetido em filmes – as dificuldades de um escritor ao escrever. Ou o medo do goleiro na hora do gol – beim Elfmeter. Os sofrimentos da criação. Sem listas de exemplos, agora, pois basta o último: Meia noite em Paris. Excelente filme de Woody Allen, que devia ficar quieto em França. Até a primeira dama Carla Bruni faz uma ponta. Isso seria impossível na Itália de Berlusconi, o biscateiro, país que não entendeu recente filme-homenagem de Allen. Por preguiça, recorto sinopse da net:
“O alterego do diretor desta vez chama-se Gil (Owen Wilson), um roteirista norte-americano bem-sucedido, mas frustrado. Ele quer ser escritor e também, depois de conhecer a capital francesa, morar por lá. A noiva Inez (Rachel McAdams), no entanto, discorda. Ela odeia a simples ideia de deixar os Estados Unidos. Mas Paris exerce um tamanho fascínio sobre Gil (especialmente se estiver chuvosa) que faz com que ele embarque em uma viagem até os anos 20, onde encontra a si mesmo e, especialmente, os mais consagrados artistas do último século, das mais diversas áreas.”

Escrever em Paris. Recentemente, Peter Handke estava morando em Paris e escrevendo. Só conseguia, de fato, escrever, na parte da tarde, depois de andar pela cidade e ler jornais. E, sobretudo, segundo ele, quando já não tinha mais opinião alguma. O que é que me falta para ser escritor? Morar em Paris? Ser amigo de Wim Wenders? Ler Os sertões de Euclides da Cunha? Não. O difícil é suspender a opinião. Ataraxia. Epokhé.
Flip. Será que o Peter Handke já veio à festa literária de Paraty? Será que viria – ou essa pergunta é respondida por seus editores? Eu não vou lá me misturar às crianças e jovens que não lêem. Fui em 1976 e comi peixe ao molho de camarão. Vou esperar para ir na condição de fornecedor, autor, invocado em livros – mas sem estômago para crítica e muito menos para a autocrítica.

Distanciamento: antes de ser cidade ou carro VW, parati é um peixe
**********
Gênios. Los hay. Existem, sim, e tem a função de desencorajar novos aventureiros. Os chatos que assediam os autores de sucesso. Sim, sou um desses, um wanabe. Mas só submeteria meus manuscritos a Gertrude Stein – ou, quem sabe, à Edith Stein, talvez mais caridosa com os novatos. Mas ia logo avisando que eu não tenho nada a ver com o professor dela, o Edmund Husserl. Prefiro o ranzinza do Arthur Schopenhauer.
Quem matou? O mexicano Carlos Fuentes impressiona e humilha com seu Artémio Cruz. Agora ambos mortos. Quanto a Vargas Llosa, para falar das leituras recentes, fica uma sensação de obra menor, mais rasteira, tipo policial para o cinema. E ele já deixava a provocação à indústria cinematográfica, pois em sua vila peruana, Piura ou Talara, há um cinema decadente, que projeta na parede da velha igreja. Poderia, sim, dar um filme. Mas não vamos dar mole. Quem quiser saber Quem matou Palomino Molero vai ter que ler o livro. Assim também é o autor do original que deu origem ao filme Blade Runner. É excelente a idéia de outro romance, O homem do castelo alto – mas o livro é fraco, maçante. Bom roteiro, mas não um romance bem resolvido. Talvez alguém queira salvar Philip Dick e botar a culpa na tradução. Mas aqui não esperem malhação de tradutor: somos corporativistas.
Escritor tem mais é que ralar muito.
Pois esse é o problema de Gil, no filme de Woody Allen – e, portanto, do próprio diretor judeu de NY – ambos já escrevem roteiros para cinema, mas... isso ainda não é literatura. A insatisfação que nos move.
E talvez nem todo escrito precise virar literatura, pois Woody Allen, Wim Wenders e outros bons cineastas são para o século XXI o que foram para o XX aquela miríade de Braque, Lautrec, Buñuel, Dali, Fitzgeralds et caterva – figuras que aparecem na meia noite da Paris do cinema de Woody Allen, ex-dorminhoco que se cansou do noivado neurótico com Manhattan.
Vejam acima a demonstração soi disante de minha incapacidade para a crítica literária: comparar Carlos Fuentes com Vargas Llosa é a mais elementar e barata das abordagens. E justificar as impressões de leitura é monótono. Em vez disso, melhor é ler mais um bom livro ou um que tenha tal fama.

Flip top: passear de cabrio perto de Paraty é também um bom programa.