sexta-feira, 19 de novembro de 2010

EU NÃO MORO NA TORRE DE MARFIM

O filósofo do cerrado é mineiro e gosta de falar 'trem'. E até trenheira (al. Sacherei). E de viajar de trem, como este aí, na Suiça, de Zurique a Genebra. Bom demais da conta, sobretudo quando já não se tem mais professor, nem prazo e nem agência a pressioná-lo. (Um abraço, Dona Helga Wahre! E à patota do DAAD... Valeu!). 
Com isso, vai um pouco do perfil do remetente, que não é de ficar devendo. Foto de 2007, sem grandes mudanças. Uma que outra nova marca de expressão. Na falta de listas, pego carona em um texto de Peter Handke (nascido na Áustria em 1942). Eu traduzi isso do alemão. Me pareço um pouco com isso. Aliás, divergir disso quem há de?("Pega o trem azul, o sol na cabeça..." Lô Borges)


Peter Handke

O que eu não sou, não tenho, não quero, não gostaria – e o que eu gostaria, o que eu tenho e o que eu sou

(Biografia em frases)


O que eu NÃO sou:
Eu não sou nenhum desmancha-prazeres
Eu não sou alguém que engole qualquer coisa
Eu não sou nenhum filho da tristeza

O que eu em PRIMEIRO, SEGUNDO e TERCEIRO lugar não sou:
Eu não sou, primeiramente, um sonhador; em segundo lugar, nenhum eremita; e, em terceiro lugar, nenhum habitante de uma torre de marfim.

O que EU NÃO sou:
Eu não sou um eleitor para voto de cabresto.

O que eu INFELIZMENTE não sou:
Eu infelizmente não sou nenhum herói
Eu infelizmente não sou nenhum milionário

O que GRAÇAS A DEUS não sou:
Eu graças a Deus não sou um autômato
Eu graças a Deus não sou alguém com quem se pode fazer o que quiser.

O que eu DEFINITIVAMENTE não sou:
Eu definitivamente não sou um fantoche
Eu definitivamente não sou um enfermeiro de hospício
Eu definitivamente não sou um depósito de lixo
Eu definitivamente não sou uma entidade de caridade
Eu definitivamente não sou um consolador de almas
Eu definitivamente não sou um estabelecimento de crédito
Eu definitivamente não sou um capacho de vocês
Eu definitivamente não sou um balcão de informações

O que NA VERDADE não sou, MAS TAMBÉM não sou:
Eu na verdade não sou covarde, mas também não estou cansado da vida
Eu na verdade não sou alguém que despreze o futuro, mas também não sou um idólatra de todas as novidades
Eu na verdade não sou um militarista, mas também não sou um defensor de uma paz                                                                                preguiçosa
Eu na verdade não sou um adepto da violência, mas também não sou um saco de                                                                                           pancadas
Eu na verdade não sou um pessimista, mas também não sou um utópico ingênuo

Eu não sou NEM ISSO NEM AQUILO:
Eu não sou nem um nacionalista, nem um indiferente
Eu não sou nem um fanático pela ditadura, nem um defensor de uma democracia compreendida erroneamente

O que eu não TENHO:
Eu não tenho o prazer de enfiar o nariz nas oportunidades de pessoas estranhas.

O que eu não QUERO:
Eu não quero causar sensação

O que eu não quero, MAS:
Eu não quero dizer que tudo está em ordem aqui, mas...

O que eu NÃO quero, MAS TAMBÉM não quero:
Eu não quero contar todas as minhas vantagens, mas também não quero ter falsa modéstia

O que eu não GOSTARIA:
Eu não gostaria de atirar a primeira pedra

O que eu GOSTARIA:
Eu gostaria que nós nos tolerássemos

O que eu QUERO:
Eu quero sempre apenas o melhor para vocês

O que eu QUIS:
Eu sempre quis apenas o melhor

O que eu TIVE:
Eu tive antes opiniões semelhantes

O que eu TENHO:
Eu tenho meus próprios problemas

Para o que eu ESTOU:
Eu estou para o que der e vier

Onde eu TAMBÉM AINDA estou:
Eu ainda estou também aí

O que eu TAMBÉM ÀS VEZES sou, MAS ENTÃO DE NOVO:
Às vezes eu também tenho a opinião de que isto não continua assim, mas então de novo...

O que eu SOU:
Eu sou isto!
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>Post-scriptum: Quando escolhi para título deste post a expressão "Eu não moro na torre de marfim", retirada do poema acima, eu não sabia que anos depois, em 1972, ele publicou uma coletânea de ensaios com o título "Ich bin ein Bewohner des Elfenbeinturms", ("I Am a resident of the Ivory Tower"),ou seja: Eu sou um morador da torre de marfim. cf. Wikipedia

terça-feira, 16 de novembro de 2010

FILOSOFANDO ÀS PAMPAS com ERNILDO STEIN & CIRNE-LIMA

O filósofo do cerrado espera ser lido, como dizia Montaigne, pelo sujeito mediano - mas não medíocre: nem o analfa abestalhado, nem o pedante metido à besta erudita. Uns não sabem ler ou não querem. E outros acham que sabem demais. Querem saber de uma coisa? Eder Jofre só lutava com outro peso-pena. Fair play começa assim: exibir as armas antes do duelo.

Este blog pode servir para duas galeras: os que acham que não existe filósofo no Brasil e os que estão ainda com medo de estufar o peito e dizer com a boca cheia: "yes, eu sou filósofo!" Wie so nicht?

O filósofo do cerrado teve a subida honra de aprender com dois filósofos brasileiros: Ernildo Stein e Carlos Roberto Cirne-Lima. Mas quem os reconheceu como tais? Por exemplo, o filósofo equatoriano, residente em Goiás, Gonçalo Armijos Palácios.

[Ah!... Goiás, Equador...] Lá vem o preconceito, de novo? Palácios estudou quase sempre nos States. Seu orientador foi Milton Fisk. Por coincidência, traduzi texto desse raro comunista norte-americano: "Is democracy enough?" Melhorou agora a credencial?

Pois, então, como eu ia dizendo, Palácios reconhece que no Brasil é possível fazer filosofia mesmo, algo mais que comentar idéias dos outros. Quem tiver coragem pode demarcar como fez Cirne-Lima: "Até aqui é Hegel. Daqui em diante, sou eu falando". E ele falou no livro Dialética para principiantes e em cursos montados em DVD. Um grande achado o seu "Galo da Madrugada", que dá de dez na triste coruja crepuscular de Minerva. É pra cair no frevo do sempre ainda com fantasia de desde sempre.

Stein avançou em Órfãos da Utopia e dezenas de livros. E, claro, em tantos debates públicos e aulas memoráveis da pós, quando moía todo mundo ou... se retirava em protesto. Competência extrema de um "aristotélico onívoro" que não se contentava com amolar eternamente suas facas analíticas.


Não vou contar histórias hoje, baita terça-feira depois de feriadão. E haveria algumas com Stein e seus rompantes, Cirne-Lime e sua fonte de águas em três níveis, num canto do Central Park de Poa. Sim, uma figura em pedra para a velha dialética. Ali onde cantava perdida uma Cariama Cristata do Mato Grosso.

E nem vou anotar o título do livro de Palácios. Não  posso matar a piada do próximo post, que vai fornecer aos incrédulos, inseguros e neófitos três critérios negativos ou "concessivos", tipo assim... você pode ser filósofo, mesmo que não... , nem... e nem....