sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO DE JC

Nem todo filósofo é ateu. E vamos dizer a verdade: até ateu e até eu se não fosse o que professo ser seria favorável a mais um feriado, mas é claro que é muito mais. Esta é pra ler depois da festança e dos votos e augúrios. Quem quiser que leia, pois toma um tempinho: cinco por cento do que gastou o autor para chegar a essa bem planejada simetria e isolamento em parágrafos. Exercícios nem tão espirituais assim. Sea lo que sea. Amargo? Pode ser. Um brinde de Fernet - ou está mais pra Campari, com aquele toque doce?


Amigo oculto

Generoso fez o último risco na parede e sorriu, contemplando todos os dias que passara ali na cela, junto com colegas menos afortunados. Agora vieram avisar que ele receberia indulto de Natal e poderia voltar para a liberdade. Os outros detentos o elogiavam ou faziam piadinhas. José Generoso pediu que o chamassem pelo nome. Que parassem com apelidos, pois queria começar vida  nova com o velho nome.

Celina examinou as mercadorias dos camelôs, mas não gostou de nada. Por um e noventa e nove parecia-lhe difícil agradar à amiga secreta. Não queria brincar daquilo, mas o terapeuta achou que lhe faria bem. Seria bom entrosar com a turma da repartição e recuperar a auto-estima. Tinha ficado triste desde que o noivo fora preso e sempre se achava um pouco culpada e envergonhada. Por fim, quis confraternizar e até escreveu uns bilhetes.

José reunia as poucas coisas. Deixou para os colegas os cestinhos de palitos de picolé que não conseguira concluir. Era um passatempo que agora perderia o sentido. Prometeu visitar os colegas, trazer cigarros, entregar as cartas que mandavam aos familiares. E, sobretudo, pensava em si e na vida que deixara. Sua besteira estava paga. Agora era rever a noiva, conversar muito com ela, vê-la feliz e casar-se em breve.

Celina encantou-se com um porta-jóias que era uma caixinha de música. A bailarina dançava sobre um espelho e ela se lembrava de tudo que já quisera ser. Sonhara com a dança, mas logo teve que trabalhar em tantas funções pouco criativas. Agora o trabalho valia como ocupação, para que não pensasse em coisas ruins. E, afinal, havia coisas boas na vida: seu noivo ia sair da prisão. A colega certamente gostaria da caixinha de música.

O rapaz retirou da parede os recortes de revistas que serviram para lembrar de um mundo bom lá fora. Os posters de garotas deixou para os colegas. Leu as frases que escrevera na parede, onde tentava se iludir dizendo que lá fora há também muita gente sem liberdade, enquanto que ali, embora entre grades... Fechou a mochila e suspirou, achando incrível que um dia pudesse ter saudades daquele lugar terrível.

A moça abriu o embrulho e não acreditou. Seu amigo até então oculto tivera a coragem de dar a ela uma jarra de gesso, horrível. Parecia que era usada, mal lavada, encardida, a asa trincada. Que brincadeira de mau gosto! Vinha se esforçando, mas não deu. A vida é injusta.  Perdeu o controle e quebrou o bagulho na cabeça do engraçadinho. Fim de festa. Entram os seguranças. Cacos, gritos, empurrões. E vamos para a gerência.

José Generoso saía pela portaria da delegacia. O sol feriu-lhe os olhos e ele parou por uns instantes para se acostumar. Nem sabia bem o que fazer primeiro. Talvez descer a pé, para ver vitrines e os arranjos das festas de fim de ano. Parou uma viatura. Sai uma moça algemada, cabeça baixa, olhando triste para o chão. Celina passa por José e ergue os olhos vermelhos. Foi o tempo bastante para que ambos dissessem: “Feliz Natal...” (Bento I Borges)




"HOLLYWOOD É AZEVEDO"
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TRANSLATION: THIS IS A BITTER CHRISTMAS TALE. WOULD ANYONE LIKE IT TRANSLATED INTO ENGLISH OR GERMAN? JUST ASK ME TO AND WAIT A LITTLE WHILE.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O CONCEITO DE MUNDO EM A. L. S.

Dois velhos conversando. Eram lavradores e agora passam o tempo a lembrar de histórias de oitenta anos. E também se assustam com os novos costumes da cidade grande. 
Um esconjura: 
- Você viu que absurdo, compadre? Virou um trem esquisito, siô.
O outro concorda e arremata:
- É, compadre. É que nem aquela moda: "Mundo véio tá perdido..." 
O primeiro pondera, com leve discordância, acertando os ponteiros:
- Não, compadre. Pensando bem, o mundo continua o mesmo de antigamente, tal e qual. Os homens é que estão diferentes demais, sem  vergonha na cara. Ninguém respeita mais nada, não é.
- E não é que é mesmo, compadre? Falou bonito agora, nego véio. 
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Assim, o que temos aqui? O conceito de mundo em A. L. S., que vem a ser Antonio Luzardo da Silva, aliás, Tuca, Seu Tuca, Tio Tuca. Não adianta procurar livros dele. Ele não tinha livros, pois não lia livros. E nem escreveu livro algum. Pois tampouco sabia escrever. Talvez não quisesse tanto assim aprender ler e escrever, mesmo depois que deixou a roça e se tornou guarda-noite de um prédio qualquer. Mas lá imaginava canções que algum neto registrava e até musicava. Mais um que deixou parte de uma "doutrina não escrita" e fragmentária. Mais um que impede o mitológico zero por cento de analfabetos. Nem a Suíça pode se gabar. Analfabetos no primeiro mundo? Que los hay los hay.

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O Filósofo do Cerrado não quer promover a filósofo seu tio querido, que não lia e nem escrevia. Não. Vai-se montando um argumento aqui, aos poucos. Este é o segundo passo. Aguardem mais lenha. Nosso Filósofo, esse sim com títulos e tudo ou quase, poderia escorar-se em Gerd Bornheim, por exemplo. Para ele, que escreveu uma ótima introdução à filosofia, as crianças são as primeiras a colocar as questões básicas e inescapáveis. A fenomenologia preza a humildade. E o Sr. Bloch da revista Manchete reunia sacadas infantis na coluna "Criança diz cada uma". Confiram.

Nem todo mundo (ops!) é filósofo. O complemento dessa convicção nada obscurantista, portanto, é que tampouco devíamos aceitar um tipo de ataque ilustrado à filosofia. Por exemplo, uma professora dizia que o grande filósofo brasileiro era o Millor Fernandes. Ora, isso inibe os demais. De repente, nessa classificação, o Filósofo do Cerrado ficaria entre o Didi Mocó e o bem-votado Tiriica, quando muito. Era bom ler alguma "Fábula fabulosa", mas... se o meio é a mensagem, esse "escritor sem estilo" não está em seu elemento.

E acontece que a dita professora, muito respeitada e querida, aliás, abandonou a filosofia, para trabalhar na burocracia de algum ministério em Brasília. Ela nos deixa de certa forma dependurados no pincel, já que não permaneceu no páreo das vaidades acadêmicas. Woody Allen também sofre desse complexo besta: sempre a agredir os (pseudo) intelectuais. A piada sem graça é supor que os parênteses funcionem, pois não temos como e nem porquê listar os autênticos pensadores. E Mick Jaegger teria dito que ninguém precisa ter um Ph.D. para ser feliz. Ora, poderíamos dizer o mesmo de iates e jatinhos. Precisar não precisa.

Enfim. Uns estão aquém da filosofia, embora possam acertar com distinções apropriadas e frases felizes. Outros se julgam além dela e de certa forma acham que seu sucesso sem diploma cacifa  sua capacidade de dar palpite fora de suas alçadas. E o Filósofo do Cerrado - que não está em nenhuma dessas galeras - ajunta ambos os partidos no mesmo post. E não sabe bem aonde isso vai. 

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TRANSLATION - Two old men are talking about immoral aspects of our nowadays urban life. After referring to some scandals, one says the world is lost. The other agrees, but the first returns to make a correction; The world remains the same as before; people is becoming different and worse, etc. Well, one could announce this as "the concept of world in A. L. S.", but this is the name of an illiterate farm worker, who could now and then find a good expression or correct a wrong point of view. He left no books and not even a non writen doctrine. But this blog doesn't intend to transform this simple mind into a philosopher. Philosophy - as many other sophisticated conversations - is not for everybody. This is just a scene to work on. Next steps coming soon.