quinta-feira, 26 de abril de 2012

HISTÓRIA DA FILOSOFIA - cap. 996

HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIVERSAL
ou seja, daquela que conheço bem:
a minha filosofia, vertida em celulose, nos textos
realmente existentes em papel timbrado


...Capítulo 996...
 Estética em Apel, ou seja, cabelo em ovo.
Transformaçao da filosofia
em tempos de CSI


Em 1998, o programa de Pós-graduação em Filosofia da UFMG ofereceu uma disciplina. Aceitei. Um trabalho escolar faria o manjado caminho de virar artigo, depois de alguns percalços. O Prof. Rodrigo Duarte lançou uma pergunta inesperada: haveria algum elemento estético na obra de Karl-Otto Apel? Ninguém ia responder assim no flagrante do primeiro dia de aula. E minha resposta tendia para: “não, de jeito nenhum”. Mas sempre tem aquele ritual acadêmico e o processo todo. O livro A transformação da filosofia, eu juro pelo leite que mamei em mãe-inha, é um típico parto de montanha. E aquela tese do Prof. Duarte ia nos obrigar a tirar leite de pedra. Alemão, com aquela conversa especulativa pesada, o Sr. Apel levou uma data para mudar de paradigma e mais tempo ainda para se justificar diante da comunidade filosófica, mesmo que ele trabalhasse lá em Kiel, mais ou menos onde o Judas perdeu as botas, a caminho da Escandinávia.

Mania germânica dupla, portanto, com mais essa de justificar-se. Um pragmático do tipo Richard Rorty dispensaria tanta cerimônia, para dizer que a filosofia, que não transformou o mundo, no século XX resolveu transformar-se a si mesma: o linguistic turn.

Mirando o próprio umbigo: uma guinada para a linguagem, um giro, um cavalo de pau, com alto risco: metalinguagem ou redundância e, sempre a irrelevância, seja da análise como antes das repetidas interpretações do mundo. Ou seja, a undécima tese, revisitada no asilo dos esquecidos:

“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.  dar uma guinada para a linguagem.”
(Karl Marx, depois da revisão dos 100.000 km na oficina do Sr. Karl-Otto Apel)

Apel


Cena 1. Depois das férias, o colega Rafael me diz que viu as notas da minha turma no quadro de avisos. É? Me disse que eu tinha tirado 100 e achei normal. Não, ele disse: ninguém mais tirou tal nota com o professor RD. Aí me senti animado a mexer no trabalho escolar e enviá-lo para publicação. Na verdade, eu já havia lido aquele texto antes, em Porto Alegre, em algum curso com Ernildo Stein. Mas agora tivéramos uma pergunta e um estímulo novo: estética em Apel?

Cena 2. A revista Educação e Filosofia recebeu o parecer sobre os originais que eu enviara: artigo recusado. Sucede que eu mesmo era do conselho editorial e segui os trâmites de sigilo e tudo, mas por conta mesmo da tramitação li os argumentos. E não deixei que buscassem um segundo parecerista. Acatei e pronto. E me lembro de uma alegação meio estranha, no parecer, de alguém impaciente com a aversão anti-intelectualista (ou anti-especulativa), que caracterizaria nossa periférica academia brasileira, etc. No regrets. Eu ainda teria certamente diversas oportunidades de trabalhar em outros eventos com esse parecerista sigiloso, um velho chapa, aliás.
 
Cena 3. Em 2001, a convite do aposentado Prof. Valério Rohden, fui com ele conhecer a ULBRA, em Canoas, onde dava umas aulinhas pra agroboys que nem imaginavam quem era o nobre kantiano. Fui apresentado ao editor da revista Teófilos, que se ofereceu para publicar algo, caso eu tivesse na gaveta. Tinha. E lá se foi o trabalho escolar que queria virar artigo, em segunda navegação, no muque.
 
Cena 4. Em 2006, estive na ULBRA de Itumbiara, Goiás, para dar uma palestra em evento da Psicologia. Na hora do cafezinho, vi uma estante com revistas, números diversos da revista Teófilos e... lá estava meu artigo publicado, desde 2002:  “Linguagem e estética em Apel”, v. 2, p. 5-18, 2002. (Não consegui achar na net, pra ler de graça, neste 2012).
 
Cena 5: Finalmente, meu exemplar em minha estante, ao lado de outros artigos publicados. E a impressão de que não iria mais ler Apel, nem à cata de elementos estéticos. Eu suspeito que seu próprio compadre Habermas acha difícil ler Apel. Aquela ética do discurso não progrediu muito. Quem quiser que escolha entre o transcendental e o pragmático universal. Eu já disse que fico com o contrafatual. Falar nisso, Rorty diria sobre Apel o que disse com força e com vontade sobre livro de Tugendhat, de mesma natureza, prestação de contas: extenso, difícil e equivocado - ou perda de tempo, no mínimo. Rorty tem razão quanto à prestação de contas de Ernest depois de sua guinada lingüística. Mas não quanto aos textos de ética e a figura mesma do conferencista e bon-vivant Tugendhat, o virtuoso.
 
Só isso? Não, caros leitores. Este capítulo é curto, mas contém ainda uma lição grátis para alunos e wanabes: não se chateiem, se seu artigo for recusado por uma dada revista (ou mesmo por uma revista qualquer, o que não foi nosso caso); apenas retire o manuscrito, com o olhar grave e pouca prosa, e envie o fruto de seu esforço a outra revista e mais outra. E escreva coisas novas e bacanas para publicar, sabe-se lá onde, enquanto espera a publicação daquele primeiro material.

Acontece nas melhores famílias e academias de qualquer calado. E me lembro de um certo Osvaldo de tal, que teve artigo recusado em nossa Educação e Filosofia. Meses depois, o mesmo artigo saiu de fininho nas páginas da revista Reflexão, da PUC de Campinas, que era então mais cotada que a nossa. Hoje não sei como anda o ranking dela em tempos manicados com qualis isso e qualis aquilo.