sexta-feira, 25 de março de 2011

A ORELHA DE RAFAEL

Tem hora que mesmo um filósofo trabalha por encomenda. O filósofo do cerrado, por exemplo, escreveu um ensaio, após alguma pesquisa, sobre o grotesco. Está na net, de graça. Pois agora vai ter que fazer uma orelha para o livro do colega RCS. Por enquanto, tem duas imagens: uma garrafa com uma mensagem dentro e um barco. São duas raras referências à Teoria Crítica.

Se um dia a barbárie tomar conta do mundo e ninguém quiser saber desse lance de cultura, tomara que a Teoria Crítica sobreviva, flutuando com um recado para o futuro.

O barco não é exatamente este, mas saiu do mesmo porto de Hamburgo levando judeus que fugiam da guerra, rumo a esta nossa América. Ah!... e também vinham umas moças alegres, da zona portuária de Sankt Pauli, onde mais tarde os quatro rapazes de Liverpool iriam começar a zoeira com suas guitarras.

Este blog não está desesperado para ganhar audiência. Se fosse o caso, seria melhor tratar
- inclusive com merthiolate - da orelha mais famosa, de outro pintor, Van Gogh.

E se acham que este blog quer fazer uma gracinha, isso não é nada, galera: o outro Rafael deixou-nos três, três graças. E a graça da piada é brincar com a tridimensionalidade, na tela plana. Graça é mais que beleza. E com aura, então? Fruição perfeita.



quarta-feira, 23 de março de 2011

BUT SE DER BODE, I TAKE MY BODY OUT


Esse não é, de jeito nenhum, o lema deste blog. A frase "But se der bode, I take my body out" é o final de uma anedota sobre comunicação entre aeronave em apuros e o rapaz ao rádio, arranhando seu portuglês, tipo spanglish, baiano ou mineiro. Não dá pra tirar o corpo fora, se o assunto for tradução. Ou você sabe grego antigo ou tem que ler textos traduzidos. E só os calouros pedantes repetem a frase fácil – e fora do contexto – que associa tradutor a traidor. Não tirar o corpo fora significa: traduza algo e publique! E sem querer corrigir o Aurélio e o Houaiss, no meio do caminho. E aí verá que o problema maior do tradutor é hoje a falta de grana e a concorrência: pagam mal, quando pagam, mesmo no ambiente acadêmico – e agora tem máquina aí se achando. Outro dia os tradutores do Brasil se uniram em uma ampla campanha por um objetivo singelíssimo – a norma da ABNT deveria ser respeitada:  o nome do tradutor deveria aparecer nas referências. O filósofo do cerrado entrou na lista e viu lá nomes que respeita muito, inclusive Peter Naumann.


Agora, registre-se aqui o apoio de Donaldo Schüler aos tradutores. Matéria publicada no caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, último domingo. Schüler, que já encarou monstros sagrados, de Ésquilo

a James Joyce,


fazendo-os dizer em português o que escreveram há tanto tempo e tantas milhas longe deste nosso rincão. Ele citou Haroldo de Campos (ou seria o irmão Augusto?) a propósito de termos que traduzir o intraduzível... E não é um achado o título “Intradução”, no caso da poesia? Vejam a edição primorosa, com longa história, dos poemas de e. e. cummings. Coisa de doido aquele poema da folha caindo...

Agora, pensem nisso: como pode um autor ser generoso com seus tradutores, duzentos anos antes – e pra complicar, se esse “autor” nem esperava publicar nada...

Os tradutores de Lichtenberg sentem-se encorajado por ele, sobretudo para enfrentar os críticos, o medo e a preguiça. E esse apoio antecipado e premonitório só faz aumentar nossa admiração por esse incrível cientista gozador. Eis a passagem, traduzida do alemão por este locutor que vos fala, o Filósofo do Cerrado:

Uma tradução teria que ser terrivelmente miserável para que pudesse estragar um bom livro diante de um homem de espírito, que lê por atacado e não fica dependurado em expressões e sentenças. Sem dúvida, não é escrito para a posteridade um livro que não tenha esse caráter, que mesmo o pior tradutor dificilmente consiga arruiná-lo para o leitor culto.” (por volta de 1796)


Créditos: o bode acima tem nome e autor; é o Bode Orellana, colega da Graúna, ambos personagens de Henfil. O bode, pra não passar fome, naqueles tempos de chumbo, comia livros. O castelo Lichtenberg está aí só pra enfeitar, senão vão dizer que a filosofia é pobre em imagens. Mas pode haver mais de um castelo com esse nome. E a verdade é que nosso autor Lichtenberg não era nobre; alugava um quarto de pensão perto da universidade onde ralava...

domingo, 20 de março de 2011

A dieta do filósofo, no Bodódromo

Dois eventos fizeram esse cabra do cerrado admitir que, sim, era e é filósofo, um filósofo: a leitura corrida do livro "A dieta do filósofo" & a homenagem recebida outro dia de alunos formandos. Se ele já seguia a dita dieta antes de ler o livro, pensou ou "notou" - como relata Renatus Cartesius - que era apenas racional comer menos toucinho ou nenhum, evitar embutidos e roer cenoura enquanto prepara a costela minga. Ser pelo menos razoável à mesa e na cama - e dever-se-ia acrescentar: no parque do Sabiá! Não correr demais; aquela caminhada básica. O livro do Watson merece um capítulo a mais, ao lado do comer, do correr e... antes de se preparar para la muerte: sugestão dos leitores é incluir viagens na dieta. Pois foi viajando por aí que o filósofo do cerrado encontrou essa placa, em Petrolina, às margens do Rio São Francisco.
A dieta do filósofo do cerrado não exclui (ainda) as carnes, que ele não disfarça com o termo genérico "proteína animal". E esse é o endereço de uma quantidade de restaurantes que servem quitutes feitos com carnes e miúdos de cabrito. Quem não come carne, pode apreciar macaxeira, queijo de cabra ou mesmo alguma erva que o próprio cabrito coma. Sem ofensa. Nem aos vegetarianos e nem aos animais.
Uma solução também razoável é não ver como são feitas as leis, nem visitar frigoríficos. No mais, é pedir desculpas aos animais não-humanos e evitar a crueldade.
Hipocrisia? Nem tanto. Nesse filme soou simpática a solução.
O guerreiro precisa cruzar o deserto para devolver aos deuses uma coisa estranha que caiu do céu, uma garrafa vazia de coca-cola. No caminho, bate a fome e ele precisa caçar. Anestesia um bicho do mato, com um tipo de curare em zarabatana e vai ao ouvido do coitado dizer a fórmula fixa: "Eu sinto muito, mas minha família precisa comer" e pimba, dá uma pancada de misericórdia em seu jantar.

E é sempre assim. Achamos curiosos os rituais dos outros, lá longe, bem como achamos estranhas as comidas e danças alheias, mas não costumamos a encarar os nossos próprios comportamentos.