quarta-feira, 23 de março de 2011

BUT SE DER BODE, I TAKE MY BODY OUT


Esse não é, de jeito nenhum, o lema deste blog. A frase "But se der bode, I take my body out" é o final de uma anedota sobre comunicação entre aeronave em apuros e o rapaz ao rádio, arranhando seu portuglês, tipo spanglish, baiano ou mineiro. Não dá pra tirar o corpo fora, se o assunto for tradução. Ou você sabe grego antigo ou tem que ler textos traduzidos. E só os calouros pedantes repetem a frase fácil – e fora do contexto – que associa tradutor a traidor. Não tirar o corpo fora significa: traduza algo e publique! E sem querer corrigir o Aurélio e o Houaiss, no meio do caminho. E aí verá que o problema maior do tradutor é hoje a falta de grana e a concorrência: pagam mal, quando pagam, mesmo no ambiente acadêmico – e agora tem máquina aí se achando. Outro dia os tradutores do Brasil se uniram em uma ampla campanha por um objetivo singelíssimo – a norma da ABNT deveria ser respeitada:  o nome do tradutor deveria aparecer nas referências. O filósofo do cerrado entrou na lista e viu lá nomes que respeita muito, inclusive Peter Naumann.


Agora, registre-se aqui o apoio de Donaldo Schüler aos tradutores. Matéria publicada no caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, último domingo. Schüler, que já encarou monstros sagrados, de Ésquilo

a James Joyce,


fazendo-os dizer em português o que escreveram há tanto tempo e tantas milhas longe deste nosso rincão. Ele citou Haroldo de Campos (ou seria o irmão Augusto?) a propósito de termos que traduzir o intraduzível... E não é um achado o título “Intradução”, no caso da poesia? Vejam a edição primorosa, com longa história, dos poemas de e. e. cummings. Coisa de doido aquele poema da folha caindo...

Agora, pensem nisso: como pode um autor ser generoso com seus tradutores, duzentos anos antes – e pra complicar, se esse “autor” nem esperava publicar nada...

Os tradutores de Lichtenberg sentem-se encorajado por ele, sobretudo para enfrentar os críticos, o medo e a preguiça. E esse apoio antecipado e premonitório só faz aumentar nossa admiração por esse incrível cientista gozador. Eis a passagem, traduzida do alemão por este locutor que vos fala, o Filósofo do Cerrado:

Uma tradução teria que ser terrivelmente miserável para que pudesse estragar um bom livro diante de um homem de espírito, que lê por atacado e não fica dependurado em expressões e sentenças. Sem dúvida, não é escrito para a posteridade um livro que não tenha esse caráter, que mesmo o pior tradutor dificilmente consiga arruiná-lo para o leitor culto.” (por volta de 1796)


Créditos: o bode acima tem nome e autor; é o Bode Orellana, colega da Graúna, ambos personagens de Henfil. O bode, pra não passar fome, naqueles tempos de chumbo, comia livros. O castelo Lichtenberg está aí só pra enfeitar, senão vão dizer que a filosofia é pobre em imagens. Mas pode haver mais de um castelo com esse nome. E a verdade é que nosso autor Lichtenberg não era nobre; alugava um quarto de pensão perto da universidade onde ralava...

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