quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

ME CHAMEM PARA ESSE DEBATE

 


CAPA BEM BOLADA - SHOW DE SEMIOLOGIA


Se eu digo a alunos na sala de aula, em uma tarde de calor: "não pensem em um SORVETE agora!", é altamente provável que a imagem do ice cream virá a mente de muitos ou, talvez, todos. Mas, a imagem sensorial sugerida e provocada pela aparente proibição no enunciado ainda não é exatamente "pensar". Pelo menos não no sentido de "refletir", "ponderar", etc. 

Assim também, para prestigiar outro ramo em alta dentre as ciências da linguagem, a pragmática, o slogan "Beba cerveja Fulanabier Lager Malte gelada!" inclui a parte básica desse sintagma, com "Beba cerveja!", curto e grosso. Essa ordem ou sugestão funciona, de forma que as cervejas populares que não investem em publicidade se beneficiam da divulgação grátis. E quem estiver com pouco dinheiro, no fim de um dia de trabalho ou buscando emprego vai pedir ao dono do bar na vila, tipo "me dá uma latinha de dois pilas". 

A capa desse livro é muito rica e poderia render uma aula. Em meu exemplar, que não fotografei, consta ainda o adesivo com o preço: 15,00 - quinze reais, ou seja, três litros de gasolina ou seis latinhas de kaiser al tiempo. Então, por que alguém precisa pagar até 45,00 na Amazon? Preguiça, mania, moda... e outros aspectos de nossa sociedade atual, para os quais nem sempre aplicamos o critério de justo/injusto. Pois nos acostumamos com a exploração e damos por natural que os ricos nos dominem inclusive sob o novíssimo fetiche da tecnologia, que esconde o consumismo. 

O título do livro propões revelar a injustiça que se esconde debaixo de alguma proposta de implantação e realização da justiça social, o que não se compreende de forma rápida e intuitiva, devido a essa aplicação não usual de "social". A ilustração da capa atrai o potencial leitor que percorre as bancas no corredor do shopping com ar condicionado: capitalismo gera desigualdade, poder ao proletariado, transporte grátis... Opa! vou comprar e ler! 

As imagens de pessoas, todavia, montam uma amostra bastante estereotipada de um recorte sociológico, com quatro rostos de jovens não-brancos em gestos expressivos, punhos cerrados. Além da colagem sobreposta, "suja" como paredes de cidade grande, cheias de cartazes vencidos, onde se destaca a cor vermelha, que também foi usada no "in" de injustiça. E a mancha da metade superior da capa se reforça em fundo negro para a metade de baixo onde estão os outros termos do título. 

Quem der o passo seguinte, ao segurar o obejto-livro mais perto dos olhos lerá o subtítulo: "Desmontando mentiras e teorias absurdas sobre raça, gênero e identidade - e o males autoritários do politicamente correto". Hora de virar a mercadoria-livro para conferir a contracapa com texto impresso meio torto, que se abre com uma pergunta: "Afinal, por quem os justiceiros sociais estão  realmente lutando?" O texto com sinopse é apresentado em forma de cartaz para passeata ou muro e é sustentado por duas mãos de pessoa negra, que parece magra-subnutrida, cujo rosto está coberto ou escondido pelo mesmo cartaz e pelas intenções de autores, editores, artistas gráficos. 

A orelhas trazem declarações de Helen e James, bem como suas credenciais e fotos: jovens, brancos, bem nutridos... e eis que já está o quase-comprador lançando hipóteses sobre a falta de neutralidade deles e de uma terceira pessoa, Rebecca, que nos fez o favor de resumir o livro original, Teorias cínicas

Sim, a indústria editorial está em campanha de divulgação, ao simplificar o texto e expandir o leque de leitores curiosos, sem tempo ou com pressa. E eu sou um desses e de fato comprei o livro. Já  o li e rabisquei e ri e xinguei, deu murros na mesa... Eu precisava me informar sobre essas ondas de estudos e ativismo dos últimos vinte anos, sobretudo  porque me afastei da academia e da cena urbana há dez anos. Não quero apenas ficar antenado com o novo jargão, por razões de ética e etiqueta. 

Mas... não. Não vou escrever uma resenha aqui. O que espero é poder montar uma mesa do sindicato dos professores na universidade onde trabalhei... Entender esses novos fenômenos, as novas pautas e poder contribuir com uma parte do nó górdio (ops!), no enrosco do pós-modernismo com diversas fantasias do liberalismo. 

Minha fala seria ou será algo como uma "resenha ao vivo", e creio que vou gastar boa parte de meu tempo de fala com constantes ressalvas sobre como não quero ser confundido com os autores e suas posturas. E espero manter o bom humor, virtude que apreciei em recente leitura de um livro instigante de Frantz Fanon. 




[Mural fotografado por mim na ilha Dominica em 2017. 

"Los cinco cubanos" ficaram injustamente presos nos EUA, de 1998 a 2014.] 


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