transcrevo aqui um texto de quatro páginas, que pode animar essa causa terrível.
O autor é um filósofo metido em temas como natureza e evolução - Professor da Universitá la Sapienza di Roma.
O tradutor é meu amigo Márcio Gimenes, filósofo, da Universidade de Brasília.
Leiam, reflitam e participam dessa proposta de flashmob (virtual, no momento).
Saúde e sorte ao "serumano"
(e que o virus leve a pior e não fique por aí, nem fossilizado: vai perder a coroa já!)
Prof. Bento Itamar Borges
Vírus, mãe natureza e estultícia humana: o que significa vencer a guerra
contra a atual pandemia? Por um flashmob[1]
filosófico
Que a humanidade seja capaz de enfrentar com coragem,
determinação e solidariedade também as provas mais desafiadoras da vida e da
história, é notório. E o confirmam também os flashmob com os quais os italianos manifestam a própria reação
contra a atual epidemia e sua gratidão por pesquisadores, médicos, enfermeiros,
voluntários que nesta luta comum se encontram na linha de frente.
Desta nossa capacidade de re-agir – ou resiliência-
especialmente nestes dias e de tudo compreensivelmente se ouve falar também com
acentos bélicos: estamos em guerra contra um inimigo invisível e ninguém deve
desertar. Como em vez disso fazem sempre aqueles que, com maior ou menor
cinismo, mesmo na mais grave calamidade buscam apenas compreender como
desfrutar o melhor somente para os próprios fins egoísticos: economistas,
políticos, de vã notoriedade. Mas deixemos ademais no seu mister os parasitas
do sofrimento. É para aqueles que são solidários com aqueles que são atingidos
majoritariamente por essa epidemia que quero fazer uma modestíssima proposta,
na esperança que não soe excessivamente estranha.
O auspício que muito e justamente se
ouve nestes dias é que da “guerra” contra a atual epidemia se possa sair não
apenas o quanto antes, mas também melhorados. É exatamente aqui o ponto: o que
significa vencer a guerra contra o vírus e melhorarmos a nós mesmos?
Indubitavelmente significa conter e no final derrotar a pandemia. Mas não
deveria significar também acrescentar a nossa crítica consciência de como devemos nos comportar no futuro para não
nos encontrarmos de novo em similares situações? Devemos vencer para poder
começar tudo como antes?
Eis: quero propor uma espécie de flasmob filosófico que nos estimule a dedicar alguma reflexão
também a este problema: se de fato estamos em guerra, contra o que devemos
lutar para vencê-la efetivamente? Somente contra os vírus que sobre a face da
Terra estão antes de nós seres humanos? Ou também contra as concepções e os
comportamentos de nós “sapiens” que
estamos transformando a Terra de ambientehabitável em ambiente-pesadelo para um
número sempre crescente de seres vivos? A começar obviamente dos seres humanos
e dos animais- não humanos mais frágeis e mais pobres.
É fácil e completamente racional pensar que a estas questões
toda mulher e todo homem responderá com os acentos (filosóficos,
ético-políticos, religiosos) que majoritariamente ouve nas próprias cordas. Mas
arrisco uma previsão: destes flashmob
filosóficos nenhum de nós, como pessoa e como cidadão, sairá melhor. E talvez
mais do que qualquer poder fazer ou refazer – admirável dizer- também a mais
interessante das descobertas. Aquela mais intimamente ligada ao nascimento e ao
desenvolvimento da própria filosofia, nomeadamente – literalmente – da pesquisa
do saber-sabedoria a qual também nós seres humanos podemos legitimamente
aspirar: a descoberta que existe uma realidade natural e que dessa somos parte
também nós seres humanos, com as nossas histórias individuais e com toda a
história da nossa espécie. Apenas
parte. Mais: <<pequena parte>>, como advertia já Espinosa, não
proprietários, dominadores, predadores e quem tem mais se impõe.
Se portanto a vitória que nos interessa obter sobre o
coronavírus não é voltar o quanto antes às concepções e comportamentos
pré-pandêmicos, mesmo alguns modestos flashmob
filosóficos podem nos ajudar a compreender que sairemos melhores dessa pandemia
apenas se, e somente se, soubermos nos confrontar criticamente com a descoberta
ou re-descoberta há pouco relembrada: com o fato de que "podemos afastar a
natureza com um grande garfo, todavia ela sempre retornará / e furtivamente se
insinuará entre os obstáculos que se interpõem no seu caminho" (Horácio,
Epístolas, I, 10, 24-25). Vale dizer: tu ser humano podes também negligenciar o
fato de seres parte da natureza. Mais: nos confrontos da natureza podes ser
mesmo arrogante. Mas em realidade o teu pertencimento a mãe natureza
(antropologia do eco-pertencimento) antes ou depois torna sempre a se fazer
sentir. Antes ou depois a mãe natureza retorna – mas quando ela se foi? –
quando toda a sua indiferença ao nosso destino, ao nosso bem e ao nosso mal,
com toda a sua potência sobre-humana do infinitamente pequeno, e do
infinitamente grande: como vírus, como terremoto, como água e ar poluído, como
desertificação, extinção de espécies, crise ecológica que não é exagerado
definir epocal..
E por que não: pode voltar também como oportunidade de
melhorar nós mesmos. Como nossa resiliência à crise. É inegável de fato que da
realidade natural fazemos parte também nós seres humanos, com o nosso
compromisso de melhorar as concepções, comportamentos, tentativas de sermos
felizes, na medida do possível, e solidário para com todas as formas de
sofrimento, Este é o saber-sabedoria que somos solicitados a pesquisar – e
praticar – da filosofia, nascida exatamente como <<indagação sobre a
natureza>>. E cujos cultivadores - permitam-me este último esclarecimento
- um eminente representante da Grécia clássica ouvimos falar nestes termos:
«Bem-aventurado aquele que aprendeu com esta investigação. Ele não causa
sofrimento aos concidadãos e nem ações injustas, mas investiga a ordem eterna
da natureza imortal e pergunta: com que finalidade surgiu, de que maneira,
quando? Alguém assim nunca é presa de pensamentos e ações más e das quais deveria
se envergonhar "(Euripides, Frammenti, n. 910). Apenas um similar elogio
de uma autêntica pesquisa filosófica veio à minha mente lendo a resposta de
David Quammen - um estudioso e popularizador que durante anos alertou contra os
riscos da passagem de vírus de uma espécie para outra - à questão de saber se o
coronavírus pode ser chamado de vingança da natureza sobre o homem:<<Não
creio na metáfora da ‘vingança da natureza’ que tende a personificar a Natureza
como uma entidade sábia, com o seu fim e sua vontade. Não sou assim romântico.
Concebo a natureza como a concebia Darwin: [...] Aquilo que os outros vêem como
uma vingança da natureza, eu descreveria assim: ecossistemas complexos abrigam
animais, plantas, fungos, bactérias e outros organismos celulares; e todos
esses organismos celulares abrigam vírus. Se decidirmos comprometê-los, o
fazemos por nossa conta e risco "(" Huffpost ", 9 de março de
2020, entrevista aos cuidados de S. Baldolini). Nisso, tinha razão Horácio,
como um bom sábio epicurista: verdadeiramente faremos bem em não nos
surpreendermos jamais com o retorno da mãe natureza. E quanto mais hoje que
dispomos de conhecimentos científicos que somente os estultos poderão
subestimar.
A última intenção destas considerações é trair o espírito de
espontânea agilidade que anima sempre todo autêntico flasmob. Espírito com o qual me pareceu possível, interessante e
oportuno comunicar-me com vários, especialmente em face da atual pandemia, eles
ouvem o peso e o fascínio de uma resiliência também educativa. Na convicção que
encontrar qualquer minuto para reativar também a nossa reflexão filosófica
sobre como sair melhores desta guerra ‘contra’ o coronavírus, não é deserção do
fronte comum. E ainda menos gosto por polêmicas que dividem. Ou pelos vaidosos
discursos dos doutos.
Mais simplesmente e bem sabendo que leituras e ocasiões para
os necessários aprofundamentos individuais e coletivos certamente não faltarão:
é um convite a tornar explicito o componente reflexivo que me parece animar os flashmob contra esta pandemia. Eles nos
lembram que, precisamente ao presente, planetário "urgências da
história" (K. Löwith), devemos aprender a reagir também, melhorando a nós
mesmos e a nossa sociedade.
Não é esta mensagem de sábia resiliência também filosófica
que, em definitivo, estamos procurando transmitir também nestes dias? Não é na possibilidade de melhorar-nos que
vem à luz o sentido mais autêntico e apreciável de cada exortação a compreender
sempre melhor as coisas – a oportunidade e os limites – que nos interessam como
seres humanos e como habitantes deste frágil planeta? De cada exortação a ser
mais consciente e nunca esquecer - como de um modo verdadeiramente tocante e
exemplar Gramsci soube recomendar ao filho desde ambiente fechado um cárcere –
que na história, e mesmo entre os seus desafios mais severos e brutalidade mais
atroz, eles sempre agiram, agem e agirão também <<os homens viventes
[...], todos os homens do mundo enquanto se unem entre si em sociedade e
trabalham e lutam e melhoram-se a si mesmos>>?
Gramsci concluía a breve carta ao pequeno Délio com um
paterno: este modo de olhar a história <<não pode não agradar-te mais que
qualquer outra coisa. Mas é assim?
>>.
A nós pode bastar
o simples augúrio de um bom flashmob
também filosófico para todos.
Orlando
Franceschelli, 16 de março de 2020
[Tradução de Marcio
Gimenes de Paula. Agradeço ao professor Marcos Aurélio Fernandes pela preciosa
leitura e sugestões de melhoria na tradução]
Publicado
em: https://karllowith.jimdofree.com/principio-natura/icontributi/franceschelli-virus-madre-natura/
http://www.centroperlafilosofiaitaliana.it/2020/03/18/orlando-franceschelli-virusmadre-natura-e-stoltezza-umana-che-significa-vincere-la-guerra-contro-lattualepandemia-per-un-flashmob-filosofico/#more-584
Acessados em 19.03.2020
[1] “Um flashmob é um grupo de no minimo 10 pessoas que se reúnem repentina
e instantaneamente em ambiente público, realizam uma apresentação atípica por
um curto período de tempo e rapidamente se dispersam do ambiente como se nada
tivesse acontecido” (Fonte: Wikipédia-
Um comentário:
Professor Bento! Sábias palavras! Me lembro do senhor com uma nostalgia imensa, me lembrei de assistirmos o filme The Omega Man e nossas discussões em sala. Tudo parece tão atual.
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