quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Leonardo Boff e as utopias mínimas

Leonardo Boff esteve na Universidade Federal de Uberlândia anteontem. O cartaz da nossa seção sindical, ADUFU, convidava para uma palestra sobre "Utopias libertárias", mas em alguma outra mensagem aparecia "utopia literárias". Não foi bem um erro, nem equívoco; é que o corajoso teólogo vinha de um evento de escritores na vizinha cidade de Araxá.

Parabéns a meus colegas do sindicato de professores!
(A ADUFU em seu papel de resistência democrática)


O auditório estava lotado. Ao procurar um lugar livre para ficar sentado no chão e ouvir a voz crítica do orador, passei perto dos bastidores, sem intenção de tietagem. A gentil e eficiente secretária de nossa entidade classista, Marluce, chamou-me e apresentou-me ao palestrante. Ficamos por ali alguns minutos conversando, enquanto a mesa se organizava.

Leonardo Boff, ao ouvir meu nome, brincou em termos mais ou menos assim (havia um pouco de barulho no ambiente): "Bento, Papa Bento XVI... Esse aí, quando ainda era o cardeal Joseph Tazinger, me fez sentar na cadeirinha..." Referia-se ao castigo sofrido por ele, sob o poder da burocracia conservadora do Vaticano. E essa é uma parte de sua biografia bem lembrada também por quem o apresentou à plateia.

Leonardo Boff também soube um pouco mais de minha formação filosófica. E quis saber por onde anda Ernildo Stein, que ele conhece como autor de importantes estudos e traduções da obra de Heidegger. Confirmei e atualizei alguma coisa. E também me referi a meu primeiro ano de teologia na PUC de Campinas, com uma turma da pesada, em 1978, os teólogos progressistas. Eu dizia um nome, ele acrescentava outro: Gorgulho, Euclides Balancin, João Nogueira e outros.

Este é um clássico do "Primeiro Leonardo Boff",
um livro denso e bem fuundamentado de teologia sistemática... progressista.


A conferência - muito boa e muito aplaudida - elencou três ou quatro grandes utopias que fizeram água (e sujaram a água do planeta) ou estão em descrédito, com o prazo de validade derrancado: o racionalismo, o socialismo autoritário de Estado, o pensamento único, o capitalismo sacana e concentrador, etc. Não acabou a era da utopia (e nem das ideologias - que ele prestigiou sem dizer em alemão "visão de mundo"); devemos continuar a lutar pelas pequenas utopias, utopias mínimas, tipo um prato de comida, uma luz acesa na sala... O tom foi de encorajamento para a luta que nos espera nesse momento escuro e triste da história do Brasil: para fora da história, para trás; barbárie.

Leonardo Boff tem sobre uma plateia de jovens, sobretudo, o efeito que Frei Beto também já provocou em 1981, em congresso de educadores, BH: o arrepio. Eles incluem Deus em sua conferência. Há uma prédica, uma admoestação clara e corajosa, etc.

O último etc. significa que o conteúdo dessa conferência pode ser recuperado em algum vídeo no site de nosso sindicato (Adufu) e que há vários livros de Boff e sua coluna no JB, Jornal do Brasil, traz seu posicionamento político (de esquerda, claro e firme).



Fico liberado para voltar ao tema do reencontro de duas feras: Stein e Boff. Nem um nem outro sabe bem dessa conciliação que vou apresentar aqui. Aguardei 25 anos para poder dizer quem é o cara e quem é... "o cara do cara".

Primeiro: o Prof. Dr. Ernildo Stein foi meu orientador no mestrado e na primeira fase do doutorado. Uma das mais brilhantes mentes que já vimos por aqui, nosso orgulho em grandes debates, quando costumava por no bolso figurões do porte de um Loparic, por exemplo, ou do triste Giannotti. Stein era para mim e tantos outros orientandos o mestre genial, o escritor compulsivo, o grande pai, até. E quem ele poderia admirar?

Pois bem. Em 1991, foi organizado um evento em Porto Alegre para comemorar os 90 anos da Editora Vozes. Dois oradores expuseram em formato acadêmico seus conceitos de "justiça", um político apresentou o que o governo estava a fazer de prático, supostos avanços. O quarto orador, Leonardo Boff, eterno franciscano, declarou com toda a convicção que o acompanha: A ressurreição é uma exigência necessária da justiça; só haverá justiça para os pobres e os que morrem sem chance de defesa e de preservação de sua dignidade quando ressuscitarem com Cristo. Tem que haver ressurreição, senão não haverá justiça...

Gente, foi um silêncio daqueles. Auditório impactado. Olho para o professor Stein, que tomava notas em seu bloquinho. Nesse ponto da fala de Leonardo Boff, ele parou de anotar e sacudiu a cabeça, pensativo, em gesto de aprovação.

Ernildo Stein era e é o cara. Leonardo Boff era o cara do cara...

Agora vamos ler o mais recente livro de nosso visitante ao cerrado:

um Franciscano militante da esperança, na boa companha de dois prezadíssimos "Chicos"


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