terça-feira, 6 de março de 2012

NOTAS SOBRE ÉTICA E ETIQUETA

(... mas antes, porém)

MINHA GRAVURA DE GOYA, EL GROTESCO

Conforme el prometido, fiz una gravura actual para la série de caricaturas de Goya, expostas en el museo de Curitiba, lo del ojo. En breve, tempranito, la imagem será transferida para el post relativo al ensayo sobre el grotesco, en la série que expõe flashes de la história de la filosofia ocidental, en este blog pretensioso. Nota fônica: este portuñol deve ser lido com um toque de fronteira cuiabana, por influência del guaraní e del quéchua, pois é bacana falar tchapa, djaguá, catchaça y otras cosas del naipe.


- E não é que ficou boa!

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ADENDO AO CAPÍTULO 998
DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIVERSAL

15. Um bolo em John People. Estava este filósofo brasileiro do cerrado posto em relativo sossego no brasileiro nordeste, em gozo de licença trabalhista, para trabalhar. Licença legal aquela, para concluir tradução. Tradução concluída, chefia! Claro, do flat com vista para o mar na praia de Tambaú. Desde homem da cobra a festa por posse de ficha-suja local, o busto do briguento Tamandaré, perto da casa de José Américo, é onde tudo acontece. Mas no âmbito acadêmico não me aconteceu quase nada, exceto essa bagaceira, como se segue. De repente, docentes novatos me convidam à queima bucha para um evento de filosofia no campus. No improviso, sugiro falar de meu novo livro. Ok. Fui no dia certo e na hora certa, com meia dúzia de exemplares desse livro sobre A transformação da Teoria Crítica e... cadê todo mundo, oxente? Anfiteatro no escuro e nem guarda sabia de nada. E ninguém pra se desculpar depois. Mistério, mistério – mas que não envolveu meu velho chapa Ed Morte. Coisa de calouros. Por sorte, não foi perdida a pernada até o campus da UFPB: por acaso me encontro com os doutorandos Paulo, de São João Del Rey, e Romero, do grupo Kierkegaard e militante de nosso sindicato.
16. Maceió deu tilt. Ao voltar da Paraíba, uma parada em Maceió, para comer um peixe e tomar um sol na praia do Gunga. Poderia ter acontecido também uma visita ao curso de filosofia, mas... o endereço de meu ex-aluno sumiu do poste. Achava a rua do agora professor – nosso orgulho na UFU -, mas a numeração pulava aquele lote vago. Pensei que ia vender uns exemplares e encher o tanque de gasolina, mas nada. Cada vez mais improvável uma vida cigana de filósofo que sai por aí vendendo livros como quem vende CDs em bares nas calçadas. Na pequena Grécia antiga talvez fosse viável a filosofia peripatética, mas nesse Brasil enorme sobrou-me o patético: endereço inexistente. E depois ainda vão dizer por aí que o moço não passou.
17. Um título previsto em outro lugar. Na orelha do livro, justifica-se a ousadia do título, na esteira da undécima tese contra Feuerbach. Apel também se aproveitou da idéia. Mas vejo agora que não precisava sofrer por isso. Em 1992, ao pedir uma bolsa ao DAAD, tive que escrever apenas página e meia de um “programa de trabalho” na Alemanha. Vejo agora que ali já aparecia a perspectiva da transformação: com Habermas, dizia mestre Borges, estaria ocorrendo uma “transformação da teoria crítica em teoria da racionalidade”. Whatever it means. O chato é que os colegas que estudam Adorno – e muitas vezes se prendem a ele como a um guru – considerem esse movimento como degeneração, deturpação, traição, etc. Não se trata de nada disso. Para entender melhor, caro leitor, compre e leia meu livro. E ajude-me a esgotar a primeira edição. (BORGES, Bento Itamar. Transformação da Teoria Crítica: a conversão de Habermas ao paradigma discursivo. Uberlândia, EDUFU, 2010 – WWW.edufu.ufu.br fone 34 3239 4293)
18. Além desse adendo na historiazinha de um livro de filosofia publicado no cerrado deste mundo globalizado, convém lembrar que o blog é um work in progress e que novos episódios e peripécias podem vir, tipo “edição esgotada”. Além disso, foi providencial esse acréscimo de itens, que já somam dezoito. Senão, poderia rolar a insinuação de que este devoto digitador houvesse forçado a barra para fazer de suas tripas uma herética coroação de espinhos e glórias. Se tivesse sido mantida a quantidade original de paradas – 14 (quatorze ou catorze) –, alguma mente maldosa e com um mínimo de cultura de sacristia talvez visse uma via crucis em minhas jocosas lamentações de intelectual de província. Not quite. Em desagravo cautelar, adianto que eu não via as coisas assim, embora goste de cantar os versos de Evaldo Braga: “sinto a cruz que carrego bastante pesadaaaa”, até porque a torcida costuma ver tanto as pingas que tomo quanto os tombos que levo. Agora, que ninguém me venha com  rasteiras, pois mineiro também roda a baiana e solta a voz nas estradas.
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ASSUNTO NOVO: BIO-ÉTICA PRA BOI NÃO DORMIR


TEOLOGIA DE PARACHOQUES: QUEM AMA NÃO DÁ CHOQUE


Um gaiola na BR 153, cheio de bois engordados para o abate. O boiadeiro para de vez em quando e confere a carga. Se algum boi dobrou os joelhos e deitou no piso quadriculado de caibros e mal forrado de palha de arroz, leva um choque capaz de fazer o animal aprumar. O boi deve viajar de pé ao lado de seus vinte e poucos colegas nelores de tantas arrobas. O animal não pode se ferir no piso e nem ser pisoteado por outros, nas curvas e freadas. Não se pode estragar a carne e nem o couro. Quando entram no caminhão e, depois, por causa dos choques, os animais cagam verde, de medo e de dor. Na foto, vemos que o estrume cobriu o verbo de ligação, que não faz muita falta: lemos e entendemos rapidamente "DEUS ... AMOR". Os bovinos são pessoas simples e não entendem bem como pode ser isso: se o caminhoneiro acha que seu Deus é amor, como pode levá-los para o açougue e chamá-los de carcaça? Na Índia, de onde vieram, vacas são sagradas. E, embora possam ser usadas para puxar carroça e arado, são objeto de culto e adoração. Alguns indianos matam galinhas com faca, mas quem são as galinhas, afinal, perto de uma vaca sagrada?


                                           
 Estas deram sorte e ficaram lá na India, na Ilha de Vishnu e Shiva


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Semana passada, na UFU, uma mesa-redonda sobre direitos dos animais. A nova mestre Spacek; Leo, o arguidor da casa; Darlei, o arguidor que veio de longe e Alcino, o orientador. Parabéns a nossa aluna, que fez bom trabalho e quis ir mais longe ao propor conciliação entre modelos e nomenclaturas. A impressão que tem o ouvinte comum é que no campo da ética há inúmeras teorias e posições, de tal modo que cada um pode montar seu kit ou menu: sou abolicionista, mas não aquilo outro ou sou a favor disso mas não radicalizo tanto, etc. E não se trata de ajustes meramente nominalistas, nem de hipocrisia. Pelo contrário, é louvável a atitude dos colegas Léo e Darlei (não fiquei para o debate e não me refiro à tomada de posição do moderador Alcino), pois demarcam claramente coisas do tipo: sou contra o aborto por causa disso e daquilo, mas não pela "sacralidade da vida" (Léo). E a audiência tampouco reagiu a isso, com resmungos ou aplausos ou ranger de poltronas. E Darlei já admite maturidade bastante para relatar que evoluiu de uma postura coginitivista para uma moderada postura "falibilista", pois agora vê que não podemos justificar coginitivamente nossas atitudes morais. Não sabemos o que é verdade nesse campo complexo de opiniões movidas também pelos sentimentos mais imediatos de compaixão, sobretudo pelos pobres coelhos de laboratório chorando com o xampu e gatinhos abandonados a miar em busca de um dono amável. Mas, lembrou Léo, esses amigos queridos, inclusive sua querida gata Mila, comem ração fabricada com a carne de terceira dos bois que vão naquele caminhão de Goiás para São Paulo e de lá, para churrasqueiras e panelas.

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Darlei atualizou sua posição na bioética para uma certa mistura de cuidado e respeito: um "cuidado respeitoso" ou um "respeito cuidadoso". Essas duas medidas podem se distribuir assim: um caçador nas savanas africanas corre atrás de um cervo o dia todo. Ambos estão cansados. O animal se entrega, ajoelha e deita-se ofegante. O caçador pede desculpas e diz que sua tribo precisa comer (não apenas inhame). Um golpe de misericórdia e outras frases de efeito ritual, em respeito ao nobre comportatmento da caça, que lutou bravamente e cujo espírito voltará ao deserto e vai por aí, conforme documentários da BBC e o filme Os deuses devem estar loucos. Ora, o caçador manifestou respeito pelo animal, ao mesmo tempo que se sente encarregado de cuidar de sua família de gente, da tribo, que carece de proteína. Essa bela cena não tem muito a ver com nossa conturbada vida capitalista, pois as fábricas de leitões e frangos não dão chance para conversas com milhares de animais quando são castrados, alimentados na marra e abatidos em esteiras rolantes. O respeito, quando muito, ficará restrito ao transporte - menos agressivo, por exemplo, sem os choques e em caminhões estofados, quem sabe.

Enfim, a conversa com o animal caçado, antes do golpe, não chega a constituir uma ética, mas funciona como etiqueta. Assim também fere a etiqueta quem fala de cenas de matadouro durante uma refeição. Quem não come carne não deve ir a churrascos. E quem come deve pensar seriamente em mudar seus hábitos alimentares, por essas razões éticas e por outras (contra o desmatamento, por exemplo).

Todavia, por enquanto, uma elevada lição de etiqueta (acadêmica, inclusive) foi exibida naquele evento acadêmico, senama passada, quando cada participante da mesa sobre direitos dos animais expôs suas convicções. Essa transparência é boa e louvável, pois não se trata de blefar, de querer parecer mais radical do que de fato cada um consegue ser, nesse mundo maluco dos negócios e da publicidade, que é também o dos hospitais e escolas, onde atuam comitês de ética. E é "um mundo de incertezas" onde, todavia, florescem algumas virtudes.

Eu, que não posso contribuir muito com a bio-ética, mas quero criticar também isso, digo aqui, para seguir esse belo exemplo dos colegas: não sou vegetariano e não crio animais para abate... no momento. Mas já tive umas vaquinhas à meia com meu irmão, que alugou umas terrinhas. Foi no tempo do Presidente Sarney. Vendi minha parte para pagar o empréstimo compulsório de um carro novo. Fiquei no prejuízo, mas não com tanto remorso assim. E eis a marca da sociedade, que guardo como lembrança de alguma coisa ambígua, como tantas outras nesta vida.







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