domingo, 11 de setembro de 2011

O N C E

Once pode ser “onze” e pode ser “uma vez”.

Em duas línguas muito faladas na América, espanhol e inglês, o onze pode se misturar com o início de muitas histórias para criança e algumas para boi dormir.
O  inteligente cineasta alemão Wim Wenders reuniu fotos em um livro. Para cada foto, conta uma pequena história, que sempre começa com “once”, título da obra impressa, aliás: once upon a time. Wim Wenders coincide com a teoria crítica em muitas de suas críticas, sob a sombra de Hegel, como na figura do filme que narra sua chegada às salas de exibição, no momento em que o cinema já morreu. Seu biógrafo Peter Buchka chega a citar nomes de gente que influenciou a obra de Wenders, tipo Theodor Adorno.

Theodor Wisengrund Adorno nasceu em 1903, no dia onze de setembro.
O dia onze de setembro é o Dia do Cerrado.

Brasília, que sofre com o ar seco e com a fumaça das queimadas, lança novos projetos e apelos em defesa do que resta de cerrado vivo, em pé.  Pau torto deve ter o direito de viver torto.
No meio do cerrado, a antiga capital de Goiás realiza seu festival de cinema ambiental, o FICA. Há uns cinco anos, um dos filmes premiados desenvolveu a frase de Adorno: “A vida não vive”.


Contrariando Adorno, o teimoso cerrado se esforça e arrisca lançar suas flores e folhas novas
em plena seca, mesmo no acostamento das estradas queimadas.

O Filósofo do Cerrado já tem dois motivos suficientes para marcar o dia onze de setembro: o filósofo (Adorno) e o cerrado (adornado de atrativos para atrair abelhas e beija-flores).


E não é necessário dar espaço aqui a outros assuntos que se ligam a este dia, desde 2001.


Um aluno de Adorno, Jürgen Habermas, esteve em Nova Iorque pouco depois de 11.09.2001 e foi entrevistado pela filósofa Giovanna Borradori, que também entrevistou  Derrida, em outra ocasião. As duas entrevistas, mais os comentários dela, viraram livro sobre Filosofia e Terror.
BORRADORI, G. 2004. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 220 p.
[Interessados no assunto podem ler uma resenha desse livro, ao final deste post. ]


Uma dica: nem Habermas, nem Derrida concordaram com essa entificação da palavra “terror” e muito menos com a onda toda em torno de um dia como se fosse uma coisa, anunciada por um artigo definido: “o onze de setembro”, o “nine eleven” ou coisa assim. Para quê transformar o “outro” em um demônio? Que outro estranho é esse que fala inglês e aprende pilotar Boeings nos EUA?


Imprensa séria nem mesmo adotaria o slogan norte-americano de “guerra ao terror”,
pois isso já é parte da campanha à qual não deveríamos aderir tão descuidadamente.

Enfim, nada de fumaça aqui hoje, pois o céu do cerrado já está seco demais.
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 E a filosofia, que não se ocupa mais de astronomia e mistérios, pode sim torcer pela próxima chuva e pelos tempos bons: good times and good weather.
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[Onze fotos originais feitas no cerrado do Brasil Central
 em agosto e setembro, inclusive neste dia onze, de dois mil e onze.]
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Parece que há problemas no acesso aos números anteriores da revista Filosofia Unisinos e, por isso, transcrevemos aqui a referida resenha:


Resenha publicada na revista Filosofia Unisinos (vol. 8, nº 3, 2007)

BORRADORI, G. Filosofia em tempos de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004.


            Dois anos depois dos ataques às Torres Gêmeas, o livro ficou pronto. Não se trata, portanto, de mais uma reportagem; o livro de Giovanna Borradori é um trabalho sério e demorado, a partir de duas longas entrevistas motivadas por sua perplexidade diante daqueles acontecimentos assustadores no dia 11 de setembro de 2001. Em meio a tantas declarações e imagens das torres em chamas, Giovanna lembrou-se de que Habermas e Derrida estariam pouco depois em Nova York. Entrevistou ambos, separadamente, e em seguida redigiu uma análise das falas de Habermas e Derrida – “Reconstruindo o terror” e “Desconstruindo o terror” –, respectivamente. A seção introdutória, “Terrorismo e o legado do Iluminismo”, prepara o leitor e demarca as contribuições dos dois filósofos sobre tema tão complexo e urgente.
            A análise de Giovanna lembra as diferenças entre os dois filósofos: “Habermas acusa essa geração de pensadores, inclusive Derrida, de não atribuir o devido respeito à conotação política da modernidade: uma convocação universalista para a liberdade e a igualdade que não pode ser relativizada de forma alguma” (p. 90) Muito importante aproximar os dois – e é, por isso, muito oportuno o livro, pois acima de quadros categoriais diferentes, ambos se comprometem com conseqüências normativas para a Europa e o mundo todo. Em 2003, aliás, por ocasião da retomada dos ataques de Bush ao povo do Iraque, Habermas e Derrida, ao lado de Rorty e alguns outros intelectuais, participaram de um esforço conjunto na grande imprensa contra o imperialismo.
            Sobre a guerra no Iraque, em sua primeira ofensiva, já havia Habermas emitido seu parecer crítico de que a guerra seria justificada, embora não fosse justa. Ele tem sido um defensor entusiasta da Europa, bem como da ONU. Essa sua militância decorre da defesa intransigente da universalidade da democracia, que não é uma forma cultural relativa. (p. 84-85) Apesar de afirmar que os pilotos improvisados não dispunham de nenhum plano ou valor político, Habermas reprova o uso da expressão “guerra contra o terror”, que passou a identificar o contra-ataque ianque indiscriminado, que, em vários casos, é um ataque disfarçado, como sempre.
            A autora, ao entrevistar os dois filósofos, insistiu muito para que ambos admitissem que “o 11 de setembro” passava a demarcar uma nova fase na história universal. Ambos pediram-lhe cautela, pois só um prazo mais estendido poderia testar a relevância e os desdobramentos do lamentável episódio. Derrida estranha a tática de antepor um artigo definido a um substantivo: “o onze de setembro”. Como entender essa personificação, a criação de um dia como entidade autônoma?
            Em vez de investir na grandiloqüência de uma data-símbolo, de um novo divisor retardado para o século XXI, tanto Derrida como Habermas preferiram definir o acontecimento nos termos de suas teorias. Habermas afirma, então, que “terror é patologia da comunicação” (p. 76). Os ataques terroristas são, portanto, um caso de violência sem propósito, de agentes sociais que não se incluem nas relações simétricas da comunicação. Todavia, de alguma maneira, os ataques terroristas em Nova York constituíram um acontecimento histórico de novo tipo, devido à cobertura do evento pela mídia e pelas pessoas comuns, que fotografavam os prédios.
            Por sua vez, Derrida dedicou longos minutos – que resultaram em generosas cinqüenta páginas – para recolocar questões e analisar nossos cacoetes de linguagem, como esta compulsão a nomear e a repetir: “Um acontecimento maior deveria ser tão imprevisível e irruptivo que perturba até mesmo o horizonte do conceito ou da essência com base na qual acreditamos que reconhecemos um acontecimento como tal” (p. 100)
            Mesmo para uma filósofa profissional, não deve ter sido fácil conduzir a escorregadia conversa com Derrida – a que ela se referiu no prefácio com a bela imagem de “uma estrada mais longa e tortuosa, que se abre imprevistamente para amplas paisagens e canyons estreitos, alguns tão profundos que o leito permanece longe da vista” (p. 10). Giovanna parece perder a conhecida paciência de sua categoria profissional e propõe uma retomada, ao restabelecer a pergunta: “Seja ou não um acontecimento de importância maior, que papel pode ter 11 de setembro para a filosofia? Pode a filosofia ajudar a entender o que aconteceu?” A sábia resposta de Derrida reverte sobre o importante papel crítico da filosofia, que não deve aceitar em seu “cochilo dogmático” os parâmetros “da mídia e da retórica oficial”, como os embutidos nos conceitos de “guerra” e de “terrorismo”.
            A resposta de Derrida sobre o perfil dos terroristas vem, finalmente, no melhor enquadramento: eles não são “outros” absolutos, que nós “ocidentais” não conseguimos entender (p. 125); eles foram freqüentemente recrutados, treinados e armados por potências do “Ocidente”, distinção geopolítica que também precisa ser revista.
            Giovanna demonstra grande conhecimento dos autores, de modo que o livro vale como uma exposição da obra dos dois, dentro dos parâmetros que estabelecem um fio condutor entre o episódio motivador do livro e algumas obras pertinentes deles. A competência e seriedade da autora são notáveis, pois, por mais que tenha estado chocada pela experiência do terror em sua própria cidade, não distorceu as respostas dos entrevistados para apoiar suas teses um pouco fortes sobre os atentados. Ela certamente insistiu quanto ao caráter espetacular “do 11 de setembro”, e isso era compreensível para os entrevistados, em respeito à dor das vítimas.
            Seria possível melhorar o texto da edição brasileira, com algumas poucas revisões. Por exemplo, alguns termos da obra de Habermas – e de ciências que ele incluiu em suas reconstruções – já se consagraram em traduções para o português e caberia conferi-los. Por exemplo, deve-se utilizar “lingüística gerativa”, e não “generativa”. Seria bom conferir também os títulos de obras em português, que não deveriam ser simplesmente traduzidos diretamente do inglês, língua principal de referência da autora, que vive nos EUA. Por exemplo, a grande obra de Habermas, Faktizität und Geltung, recebeu nos EUA o título de Between facts and norms, mas não equivale ao título adotado no Brasil, que é Direito e democracia. Esse equívoco pode ter acontecido também com obras de Derrida, que conheço menos. Há também raros problemas do editor automático do processador de textos, que transforma “an” – artigo em inglês, preposição em alemão – em “na” (nota 42, p. 191). Coisas simples, afinal, em um livro que certamente merecerá ser reeditado.

Prof. Dr. Bento Itamar Borges
UFU – Uberlândia MG

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