quinta-feira, 19 de outubro de 2017

GOGÓ DE SOLA




“Outro que saiu da modorra foi o João-Grande. Modorra só, que quase não dormia.

João-Grande era um jaburu solitário, cheio de manias, filósofo. E sistemático: gostava só daquela lagoa, habitada de traíras e carás. Não mudava de ponto, meio escondido na moita de capim-bengo, pés atolados no barro preto. Passava dia e noite fingindo de morto, dormitando de ôlho sôrna, mas pregado na rasoura da lagoa. E nada lerdo nas bicadas: desenrolava o pescoço, que nem bote de cobra, e não errava peixe. Filósofo mesmo, que pouco se lhe dava o espernear nem as dentadas das traíras já de dentro da capanga da papada. Um cínico, o perna-longa – apesar do jeito sensaborão, sisudo e intratável.”
(Mário Palméiro, Vila dos Confins, J. Olympio, décima edição, p. 70)


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