quarta-feira, 22 de junho de 2016

Sobre ideologia: reler Althusser, quarenta anos depois


Ideologia não é o cisco em meu olho, mas...
(sorry, Louis - que não curtiria metáforas bíblicas)
 
 
Em 1983, ouvi um argumento animador: quando a verdadeira revolução anticapitalista triunfar, vamos nos livrar não só da exploração do trabalho, mas do trabalho, curto e grosso. E, what is more, vamos também ser dispensados de ler Marx, pois “lire le capital” dá muito trabalho; é cansativo (e vamos preferir pescar de dia e ir à ópera de noite).

Durante campanha à prefeitura, há uns doze anos, vi em Uberlândia uma boa ilustração de outro ponto de nossa doutrina (no parágrafo anterior, trata-se de utopia das boas): é sempre a direita que aparece volta e meia para negar a ideologia – os seis candidatos se distribuíram três de cada lado, em debate sobre segurança pública: esquerda - direita.

Aqui cabe um traço, para separar premissas e conclusão, pouco antes do “logo” ou do “ergo”.

Nestes meados de 2016 – um inferno nas Américas, entre impostores aqui e postulantes fascistas lá – dá uma preguiça ter que voltar pela pinguela ensebada das baboseiras dos golpistas. Eles, os inimigos no poder, aprontam os recuos sociais e econômicos. E nós, cidadãos e intelectuais de brio, temos que voltar... a ler nossos clássicos, nossos mestres à penser.

Semana passada, o interino Michel disse que ideologia é coisa do PT, ou seja, resquício equivocado, superado. Na mesma semana, o PTB, com T de trabalho, veio à TV negar o caráter classista das relações trabalhistas. Sem nem apelar para a múmia ambígua de Getúlio Vargas, pregam que não há luta de classes. Nem furacão, nem vulcão. Eles, os golpistas, enrolam o rabo e sentam em cima. Nem admitem que o liberalismo e o pragmatismo sejam ideologia.

Não vou perder nosso tempo com leguleios. Não leio, mas li que Daniel Bell errou: o fim das ideologias não emplacou. E o fim da história, by Fukuyama, durou pouco.

Depois do fim, dá preguiça ter que voltar a ler, por exemplo, Louis Althussser. Mas reli o famoso e útil livrinho azul, com títulos vermelhos: Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, que são um programa de curso em notas escritas entre janeiro e abril de 1969.

Destaco a passagem que cai como carapuça na cabeça indevidamente coroada desse Michel, ex-chefe de polícia:

“O que se passa de facto na ideologia parece portanto passar-se fora dela. É por isso que aqueles que estão na ideologia se julgam por definição fora dela: um dos efeitos da ideologia é a denegação prática do carácter ideológico da ideologia, pela ideologia: a ideologia nunca diz ‘sou ideológica’”. (3ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1980, pág. 101)
 
Um post-scriptum envergonhado:

não é meu o exemplar de que disponho em casa para ler.
Noto, 34 anos depois daquele curso de especialização em educação
com Gadotti e cia., que o dono do livro é o Noé Ribeiro.
Está lá o nome do colega, com data: 82.
Vou ter que procurá-lo e devolver, em breve...
 

 

 

 

 

 

 

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