quinta-feira, 16 de agosto de 2012

E A NICARÁGUA?

Nicarágua. Chegou a hora de explicar esse grito de guerra, indiretamente inspirado na guerrilha.

E aqui passamos para a seção de anedotas sobre a filosofia no Brasil (e do Brasil).
Isso aqui aconteceu em 1983 ou 84, em Porto Alegre, no prédio da Assembléia Legislativa – naquela “Plaza de armas”, cheia de Castilhos e caudilhos. O francês Claude Lefort havia se tornado mais conhecido por causa de uma longa polêmica acadêmica, que envolveu a estrela Marilena Chauí e o brilhante diplomata José Merquior. Motivo do bate-boca: a obra de Lefort teria sido plagiada por Marilena. Foi um longo entrevero de erudição e panfletagem, cercado de vaidades uspianas e muita rasgação de seda. A peleja rendeu, mas também chegou a hora da turma do deixa disso. Celso Lafer, por exemplo, ajudou a encerrar aquele ping pong, quando Merquior adoeceu.  

Lefort era conhecido também pelo trabalho de um grupo europeu, em torno do lema “socialismo ou barbárie”. Veio ao terceiro mundo falar de direitos humanos, mais interessado nas bandeiras libertárias da sua velha Revolução Francesa que nas lutas por igualdade, que ainda implicavam em ferro e fogo, na América Latina das ditaduras.
Correção das memórias: o carro do ditador Somosa era um Mercedes (não um Opala)
Detonado em Asunción, Paraguai, em 1980, por guerrilheiros argentinos. Bazukada.

Depois de seu longo discurso sobre direitos humanos e democracia, Lefort aceitou que se abrisse a palavra para o debate. Foi aí que veio ao microfone da Assembléia gaúcha um típico estudante de esquerda meia-oito, roupa surrada, barbicha, mochila, boina. Sua pergunta não foi uma arenga de três minutos, do tipo que faz uma nova conferência ou marca posição em sindicato. Não. O rapaz, que falou logo depois de Lefort, encarou o visitante e disparou, à guisa de cobrança: “...e a Nicarágua?”
Francês deu bandeira: sem etiqueta, fugiu da raia.

O francês olhou para o intérprete ao lado, com cara de desentendido. Traduziram a pergunta para o ilustre Lefort, que se revelaria mais um Claude grosseiro e entediado. Pois sua resposta foi uma fuga, um coice. Algo assim: “Je me rècuse de repondre cette três vague question!” Ora, ora, mon ami Claude! A questão não era vaga coisa nenhuma, pois estava no contexto imediato da fala do dito cujo. A verdade é que o incensado Lefort se recusou a falar da situação espinhosa das terras do Somosa. E os sandinistas deram duas lições: detonaram o Opala do fugitivo ditador, com uma bazuca, e... arriscaram perder o governo em eleições. E perderam. Mas ganhamos. Mais essa.

Não chegamos a vaiar o Lefort naquela ocasião, mas o Castoriadis levaria uma merecida bronca, em 1991, quando desmereceu nossa admirada Cuba. Falou besteira o turco. Metade da platéia saiu pisando duro, em protesto, enquanto o careca esperava retomar seu discurso democrático – nem sempre democratizante.
...e faz falta na Síria

Viram só? São apenas anedotas, que não cacifam blogueiro algum para a filosofia política. O Sebastião Neri faria melhor, com a crônica curta e grossa do seu jornalismo atento. Mas teríamos que ser ambos humildes – o tradicional e o novo jornalismo dos aventureiros – e só podemos esperar que pessoas como A. W. K. e Dr. Zaire tragam sua reflexão fundamentada na experiência. Para o cargo de filosofia política, meu voto é deles; eles estão aptos a tratar de filosofiapolítica.  
Liberdade combina mais com as belezas do Caribe.
E custou muitas vidas.

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¡VIVA AMÉRICA!

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(Pois, então... A primeira turma de graduação em filosofia, na UFU, adotou esse grito como lema, depois que lhes contei esse episódio. No dia da formatura, contaram até três e encerraram a formalidade com o grito: "E a Nicarágua?" - Talvez o aluno A. W. K., citado no post anterior, tenha ajudado a criar essa marca, pois era um profissional da publicidade.)


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