sexta-feira, 6 de julho de 2012

O LIVRO DE RAIMUNDO GÓES

HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIVERSAL
- Capítulo 995 -

Esta série pretende contar a História da Filosofia Universal, ou seja, de minha própria contribuição para essa longa conversa. Na verdade, essa prosa: bate-papo & conversa fiada, mas sobretudo o texto escrito não-poético. Pois que eu cá me identifico com as idéias de Havelock – sobre o impacto da escrita na cultura grega – e de um certo Jaap Mansfeld, que apresenta uma edição dos Pré-socráticos, pela editora Reclam.
Há pouquíssima filosofia fora dos livros. Daí um bom viés: a impressão – o texto impresso. Conto aqui como foi publicado aquilo que quis e consegui publicar, pois ainda há algo na gaveta e um sonho de longa data: um fogão à lenha, para ir queimando não as obras, mas as sobras incompletas, quando muito rabisco virou cinza e não vai retornar como ave. E pena é o que não falta. Já é.
Carl Jung também sonhava com um fogão assim
(e queimar as próprias sobras não é crime)

Então, não se preocupem com o estado de ânimo deste Filósofo do Cerrado; não se trata de choramingar fracassos. São sempre capítulos das peripécias intelectuais e editoriais de alguns artigos e três livros. São, aliás, sucessos: o que sucedeu com meus textos realmente publicados.
E qual é a serventia disso, mano véio? Assim como a filosofia toda, para quase nada serve isso. Talvez, quando muito, para animar alguns novatos e desanimar outros tantos. E aí, sim, esse efeito pode depender do humor dos outros, da paciência e da obstinação de se deixarem levar um pouco pela ameaça do publish or perish, que não deixa de ser um exemplo bastante imponente de imperativo sistêmico. Esperavam um “categórico”? Sorry, não é um discurso moral e muito menos edificante.
O livro do Geuss

1983. Mestrado de filosofia recém-criado na UFRGS – que os gaúchos chamavam de URGS, sem F de federal, já que a onda separatista e dura de matar. O Prof. Ernildo Stein, no primeiro dia de aula distribuiu tarefas e textos para os seminários de seu curso sobre Teorias da Ideologia. Fiquei com um livro em inglês, que deveria expor depois. Na verdade, bastaria ler o 1º capítulo, sobre ideologia. Em pouco tempo, li todo o livro, apresentei meu seminário e, em seguida, resolvi traduzi-lo. Raymond Geuss escreveu um livro breve e claro, com a intenção de apresentar ao público anglo-saxão as idéias originalmente complicadas dos alemães da Escola de Frankfurt. O título, “A idéia de uma Teoria Crítica” pode parecer curioso e até irônico para um grupo que se entendia como neo-materialista. O nome de Habermas, no subtítulo, já aponta não só o nome da moda ao final dos anos 80, mas também as pesquisas dele no campo das ciências da linguagem. Os outros dois capítulos tratam dos temas “interesses” e “teoria crítica”. Essa leitura teve, sem dúvida, forte influência em minha dissertação de mestrado, recentemente publicada como A transformação da Teoria Crítica (Edufu, 2010).
O Prof. Stein, nosso sempre querido e respeitado mestre e orientador, aprovou meu plano de publicar a tradução do livro do Geuss, mas não conseguiu editoras gaúchas para isso. Nos anos seguintes, procurei por minha conta uma editora, até que, com a mediação da colega de trabalho Lídia Rodrigo, consegui a Editora Papirus, de Campinas.
A edição brasileira 

1988. Foi publicada a tradução, primeira edição. Na falta de uma orelha prometida pelo mestre Stein, sempre atarefado com uma dúzia de orientandos, fiz eu mesmo a apresentação, quando já exibia o então raro título de “mestre em filosofia”.
Em poucos anos, a edição foi esgotada, mas a editora Papirus, que passou a se dedicar a algumas áreas acadêmicas, não se interessou por uma segunda edição. Eu gostaria muito de ver uma segunda edição, também para as famosas correções e uma eventual ampliação. Por exemplo, os índios da região amazônica que tinham sido descobertos pouco antes de 1980 e passaram a ser chamados de ianomâmis tinham antes seu nome grafado com trema, yanomamös. E não sei se nesses trinta anos apareceu uma boa expressão em português para o belo conceito de wishfull thinking, mantido no original.
Desde que passamos a procurar informações na internet, meu nome passou a ter muitas ocorrências como tradutor da obra de Geuss. E notei também que grande parte das citações desse livro foi feita por estudiosos do Direito – o que prova a utilidade de uma abordagem analítica e simplificada.

Raymond Geuss, que explicou Habermas


1989. Habermas veio ao Brasil e me encontrei com ele no Rio de Janeiro. Pedi que meu professor e amigo Álvaro Valls me apresentasse ao alemão visitante. O gancho foi esse: aqui está o tradutor do livro de Geuss, de quem lhe falei. Apertos de mãos e as expressões alemãs de praxe, mais o misterioso comentário de Habermas: “...não leve esse Geuss muito a sério, não...” Tarde demais. E continuaria com a carga, para fazer de Habermas um autor menos especulativo – e para destranscendentalizar sua situação ideal de fala.
A máquina não era tão colorida
(e nem tão perigosa como a outra Remington)


Foi justamente o colega Ed, da Paraíba, quem nos enviou
o texto sobre o negacionismo

"Negacionismo é um fenômeno que ocorre quando um determinado dado da realidade, confirmado por sólida evidência científica, por algum motivo, desagrada tão profundamente uma determinada parcela da sociedade que passa a ser lucrativo — psicológica, política ou financeiramente — tergiversar a respeito. Hoje em dia a vítima mais evidente é o aquecimento global de origem humana, mas já houve picos envolvendo, por exemplo, a natureza cancerígena da fumaça de tabaco, a evolução das espécies por meio de seleção natural, o Holocausto na 2ª Guerra."
Os macetes de jornalistas e catedráticos em seus minutos de fama, na contramão do bom senso:
>Encontre acadêmicos que defendem o seu ponto de vista
>Cite fatos científicos corretos, mas irrelevantes para o assunto em questão
>Descontextualize a ciência
>Manipule desonestamente o conceito de “dúvida” científica
>Use a inércia e a covardia a seu favor...
Texto inteiro no endereço a seguir:

Creio que contribuí um pouco com essa questão, ao traduzir – por encomenda – dois textos sobre “controvertibilidade”. Já falei desse tema da pedagogia em outro blog, no pippeshow. Ao ilustrar o post com imagens da net, ficamos surpresos com um uso meio safado da bandeira levada pelo alemão Sander, que comenta uma carta aberta de educadores alemães contra a escola que queira “fazer a cabeça”. O problema é alguns grupos que acreditam em certas coisas meio estranhas apelam para o direito à controvérsia. Discos voadores, terra quadrada ou chata, criacionismo versus evolucionismo? Tudo deveria ser ensinado, em pé de igualdade. Será possível?

Eu mesmo gosto de ajudar os crentes de diversos naipes que se sentem constrangidos diante de ateus, quando repasso o esquema argumentativo que nivela o debate: não se pode provar que Deus existe. Ok. E daí? Tampouco se pode provar que Deus não existe...

Estão com saudades de von Daniken?



Endereços para ler os dois textos que traduzi, sobre controvertibilidade:

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