terça-feira, 5 de junho de 2012

EM BRASÍLIA, DEZENOVE HORAS BOLAS

O Filósofo do Cerrado foi a Brasília. E agora faz um relato desde quarta-feira, dia 30 de maio, até segunda-feira, 28, com uma terça no meio.




Cena 2 - terça-feira, 29, às 19:00

O Filósofo do Cerrado compareceu para apresentar sua conferência. Vinte páginas para expor em uma hora. O título foi mudado para "A religião de Lichtenberg". Um professor de Sergipe fez a apresentação do palestrante, com os dados do Lattes, que incluem a informação de que ele está trabalhando na tradução de aforismos de Lichtenberg. Na verdade, a tradução acaba de ser concluída e revisada. Durante a revisão, o FC foi recortando aforismos que se referem aos temas Deus, igreja, religião, fé. Além disso, nas últimas seis semanas foram lidas umas 300 páginas em espanhol, francês e alemão para um balanço da interpretação da obra de Lichtenberg como um todo, mas de modo especial, sobre os temas acima citados. Era ateu ou deísta? Afastou-se das igrejas e pastores? Sim, mas manteve sempre um espaço para o mistério e o amparo que a religião proporciona, embora não reconheça milagres e nem a autoria divina da Bíblia; a revelação, todavia é racional. E, mesmo que a religião não sustente a ciência com sua metafísica, pode sobreviver para fundar a moral.

Poucas pessoas no auditório, todas bem-vindas e atentas. Gracias. Ao final, duas perguntas, igualmente relevantes e gentis. E, diante de minha indecisão quanto a publicar em papel essa obra traduzida de Lichtenberg, o profesor Oliver, mediador da mesa, foi bastante gentil ao incentivar esse passo adiante: publique-se e cumpra-se. 

Assumi, na conferência, o papel de tradutor e divulgador da obra de Lichtenberg no Brasil, embora em outras circunstâncias tenha buscado mostrar "o filósofo Lichtenberg". Isso implica em não enquadrar o autor alemão, do século XVIII, sob categorias das ciências da religião.

O problema com o tamanho da platéia foi, de certa forma, provocado por mim mesmo: espantei parte da torcida, meia hora antes.



Cena 3 - por volta das 18:00

No evento da UnB, os nitzscheanos pareciam dominar o folder. Nessa terça, fim de tarde, dois palestrantes dividiram a fala, sem grandes divergências, a não ser essa: um professor lê a obra publicada por Nietzsche (ou enquanto ele vivia) e o outro garimpa nos textos póstumos. No debate, alguém quis fazer uma ligação entre Nietzsche e a política. A mesa me pareceu fugir do tema. Inscrevi-me para uma questão, com a intenção de restabelecer a crítica (politicamente interessada) já feita à recepção de Nietzsche pelos "pós-modernos", conforme o conhecido combate de Habermas, por volta de 1983. Claro que houve um pouco de retórica de minha parte e na réplica da mesa, pois o tom algo eclesiástico da exposição levou-me a traduzir para "paganismo" o que em Habermas aparece como o risco de remitologização.

Sem querer reproduzir aqui o clima do debate, registre-se que, como sói acontecer, a coisa degringolou um pouco para duas clássicas posições defensivas: filosofia não é política e... não podemos discutir com quem não leu Nietzsche como nós lemos.

Lá fora, tentei restabelecer minimamente a cordialidade, ao cumprimentar os dois palestrantes e, naquele momento, quis aliviar a impressão de que eu fizera uma "provocação". Lembrei aos colegas que eu participei de um evento em Porto Alegre, em 1992, depois conhecido pela publicação que leva o título Nietzsche, uma provocação.

Ao começar minha intervenção, ponderei que, caso aquele colóquio fosse um congresso, caberia registrar nas atas meu posicionamento  que visava enfraquecer a predominância de mesas nitzscheanas. Como não era assim o evento, limitava-me a marcar posição em nome da teoria crítica. Não poderia passar batido, se, afinal, Habermas foi mais longe, a Paris, falar duro contra Foucault e mais meio mundo: neoconservadores. 




Cena 4 - Segunda-feira, à tarde


O Professor Giacóia fez a conferência principal e impressionou-nos por sua extrema gentileza. Apesar de ser muito solicitado e trabalhar demais pelo país afora, tem sempre um tempinho para se lembrar de uma banca, de uma argüição, de um evento família em 1993. Mas, sobretudo agora, quando se dedica a estudar filosofia japonesa, parece que a gentileza se transforma com ele em categoria que extrapola a etiqueta acadêmica. Ele dedicou sua elegante conferência ao "amigo Nelson Gomes", presente no anfiteatro. Mais que isso, o desenvolvimento mesmo dos temas, que passearam de Hegel a Heidegger, passando por Nietzsche, Kierkegaard, Freud e... visões do budismo, parece entrelaçar os motivos da reflexão como se houvesse algo como uma benevolência cognitiva. Tivemos, durante a leitura das 14 páginas preparadas e imprescindíveis, um vislumbre da satisfação de Giacoia ao encontrar na loucura dos outros as pistas da cura - com as devidas implicações desse achado poético.

Nosso mestre Giacóia mostra que está bem acima de disputas de paradigmas e de conflito de gerações. Isso não é fácil para nós, os demais, que ainda nos sentimos movidos pela adrenalina inócua das disputas acadêmicas. Questão de tempo passando e de tornar-se aquilo que se, etc. é.

Ainda a arquitetura de Brasília: nesta foto e nas anteriores
o prédio da Química, na UnB, onde aconteceu o evento da filosofia.

Cena 4 - segunda feira, mais cedo

José Crisóstomo faz a conferência de abertura - "Nietzsche te(le)ológico" - em que apresenta um Nietzsche escritor, poeta, autor que talvez interesse mais à filologia. Reparo que (Crisóstomo sem cavanhaque não é mais meu sósia e que) parte da platéia esperava mais exatidão e método nos leitores de Nietzsche. Ironia! Vamos enquadrar no academicismo o campeão do pensamento anti-acadêmico? Outros diriam que o alemão não pode ser considerado perfumaria, etc. E que merece mais respeito. Claro, claro. Eis o homem, o anti-Cristo...

Na hora do cafezinho, descubro que, embora tenha nascido em Bonfim, Crisóstomo não é baiano, mas mineiro que nem eu - Bonfim de MG. E confiro que ele não tinha tomado conhecimento da resenha que fiz de obra dele, sobre o diálogo entre Habermas e Rorty. Voltamos a  acertar ponteiros, a trocar figurinhas e a ver em Lichtenberg mais um filósofo mulherengo. Pior (ou melhor, conforme o sujeito que julga): somos dois filósofos blogueiros, sem medo do meio nem da mensagem. E eis que já mascamos nossa cota de palha seca. 

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EPÍLOGO

No aeroporto de Brasília, na quarta-feira à noite, podiam ser vistos alguns manifestantes da manhã com a camisa preta, contra a máfia de branco. Todavia, os trabalhadores rurais não estavam ali - ou já haviam guardado o boné da Contag. Foi o bastante para ajuntar: camponeses, profissionais da área da saúde e profissionais da área dos conceitos, todos, vão a Brasília para marcar posição e defender corporativamente seu direito de agir e de ganhar o pão com manteiga. Aliás, como dizem os serventes de pedreiro: tira o pé da minha janta.

Os chocolates estavam muito caros. A tequila também. Uma chuva fora de época refrescou aquela tarde e não atrasou nosso vôo para os Confins e, depois, de volta para o Cerrado do Triângulo Mineiro. E esse livro estava exposto em uma pequena banca, na sala de embarque. Ficou lá, com o seu cordãozinho atado entre um guia do DF e um livro verde do Paul Auster (escritor marcado por Kierkegaard, mas... não vamos falar disso agora.)

Xô, aperrêio!


2 comentários:

Maíra Selva disse...

resgistre-se, por oportuno, a presença da ilustre procuradora do sistema elétrico brasileiro, maíra selva, também interessada em filosofia.
(em tempo, acompanhando o entendimento do colega, cumpra-se! como num despacho... rssss)

Bento Itamar Borges disse...

Data venia, o gentil comentário provém de uma muito bem-ida ouvinte, doravante qualificada como testemunha do entrevero

Nihil obstat

Gracias.


BB