domingo, 9 de outubro de 2011

NÃO MORRER PELA PÁTRIA E NEM VIRAR OVO INDEZ

A meia maratona também pode ser abandonada na metade

Testamento. O filósofo do cerrado, que às vezes encarna o mero professor de província, não gostaria de figurar para a posteridade como desconhecido no canto de uma foto amarelada com alguns bacanas do mainstream. E nem espera aparecer um dia como o cara que elaborou o índice da obra de um mestre, mesmo que esse tal seja o respeitável  Ernildo Stein, chamado de “aristotélico onívoro” por um aluno brilhante que usava terno.
O filósofo do cerrado nasceu torto e segue casca-grossa, condição da sobrevivência aos incêndios cíclicos. E sabe ora hibernar, ora correr feito siriema para não acabar como nota de rodapé e nem tipo Raul zelador de um prédio qualquer. Enfim, não quer ser o que um certo Rudolf foi para o mestre Edmund.  

As coisas mesmas e as mesmas coisas

  
Dieta seletiva. O aluno que viu em Stein um onívoro devolvia a farpa anti-analítica: estes, que ficam eternamente a amolar sua faca, também ciscam no prato e selecionam o que comer e o que largar. De acordo, um estudante de filosofia não pode escolher, pois o currículo é igual merenda escolar: pegar ou largar. Não vale para os calouros, mas temos, sim, paladar seletivo. Pelo cheiro já se antecipa o rango indigesto, o que repugna, e que pode ser recusado por quem já preencheu todo o lattes.
Pra começar uma lista, Husserl. Edmund Husserl, pra não confundi-lo sonoramente com Russell e muito menos com Rousseau. Uma das mais difíceis e indigestas conferências já presenciadas pelo perplexo digitador versava em prosa sobre o hermético Husserl. O orador era muito capaz, do tipo que lia alemão (e entendia). Morou lá. E não faltava simpatia, em mão dupla: tinham sido colegas de ordem e vieram ambos a trabalhar no Brasil Central, cerradão de João Rosa. Jordino Marques, de saudosa memória.
O incompreensível era mesmo Husserl. Que alguém responda ao enigma, em recuo gradativo: se é verdade que Gadamer urbanizou a província heideggeriana – conforme o feliz título de Habermas – o que sobrou então para o mestre dele, Husserl, em termos geográficos? Aquém da roça Floresta Negra, alguma Urgeschichte de neandertais sem linguagem articulada? Sabe-se lá.

Fé cega, faca amolada? Não amole o velho.
Não faltou um esforço preparatório. Confiram volume d’Os pensadores, bem rabiscado, talvez às vésperas da exposição do amigo Jorda. Tempos depois, que tal revisitar texto de Husserl? Já de olho no instigante livro de Eric Alliez, Da impossibilidade da fenomenologia, para desfazer o preconceito, embora isso seja também um bom começo, na linha do bem-vindo mal-entendido – conforme alguma hermenêutica com a qual podemos ter uma afinidade eletiva.
Recepção insatisfatória. No Prefácio das Investigações lógicas, sexta investigação, Husserl fala de mudanças de planos editoriais dessa demorada empreita que assumiu. Quem não quer entrar em “briga de branco” pode parar por aí, pois esse Edmund lamenta que tenham feito de sua obra leituras pouco profundas. Ora, ora! Se esse autor diz que um leitor da estatura de Moritz Schlick foi superficial, disse disparates e fez imputações absurdas, então... lass mal sein.
Clemens, finalmente. Transcrição do último parágrafo do Prefácio de Husserl, com curto comentário, tipo genug damit (chega disso, que hoje é domingo):
“Infelizmente não foi possível realizar o desejo de compor um índice, pois meu aluno tão prometedor, Dr. Rudolf Clemens, que havia começado a elaborá-lo, morreu pela pátria.”
Clemência! Então foi isso. O aluno prometia e prometia, mas não terminava nunca sua tarefa? Não. Em 1979, o tradutor Loparic ainda não sabia que em nosso rico português temos também o termo “promissor”. E o revisor deixou passar, no glossário, um termo alemão mal escrito: Eisehen , e não Einsehen, para o qual sugeriram “intuição” e “visão clara”. Na verdade, Eisehen seria algo como “ver ovo”,  o que é bem mais que ver apenas a clara. Que ninguém queira ser, portanto, um filósofo ou tradutor “da gema”.


Dois ovos no nin (neen) - um pode ser indez

Viver sem razão. Para que um post não se encerre rodeado de colesterol, falemos contra a guerra e também contra as pequenas batalhas inglórias. Lamentamos. O pobre aluno morreu pela pátria – e, portanto, sem razão, conforme o jovem Vandré acústico – mas também teria vivido em vão, caso levasse parte de sua bela vida a compor um índice sem fim. Teria morrido insone e remelento no seu noturno castigo de Sísifo. E aqui acabamos de citar Montaigne, o cavalheiro vida boa que não queria escrever nada mais longo que este post.


"Meñélo & Ellotcháin"

(BIC vier Farben bei BIB irgendwann)

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NOVA SEÇÃO
UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA*
UMA: Das Wetter. O cerrado agradece a chuva que caiu mansa nos últimos dias. Obrigado, INPE. Obrigado, Rosana Jatobá e demais moças do tempo. Podem mandar mais, pois aí é que fica bom para as plantas e os plantios, para a gente e outros bichos.
Gravatá do cerrado, no recém-criado Parque Gávea, Uberlândia

OUTRA: Idéia besta, de queimar o  filme. Não se pode dizer que haja por aqui uma cultura do incêndio, pois isso resulta mais para a barbárie. Diversos parques foram destruídos ou mutio danificados por incêndios, quase sempre criminosos. Rola Moça, Canastra e Serra de Caldas merecem respeito. Para os agressores, punição. Na onda do vale-tudo para vender carros, uma empresa sugeriu atear fogo ao veículo usado e menos equipado que o novo lançamento. Devagar, senhores vendedores de futuras sucatas! Se querem ter a boa imagem de amigos da natureza, não basta anunciar um carro elétrico para o próximo salão. Se queriam apelar para o humor, essa campanha não teve graça. Leitores, não queimem o carro velho à beira da estrada, pois o fogo pode se alastrar até o parque e o condomínio fechado. E quem brinca com fogo pode se queimar.



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