quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Seu Aristóte moía tudo

Pra quem pegou o bonde andando: não se trata aqui de defender que um sujeito qualquer é ou pode ser filósofo. O caboclo tem que ter a manha; não basta, de um estalo, sair com uma frase de efeito. Mas, eis como se segue esta papeata. Vocês ponham sentido!

O velho Olavo, que já é chamado de Véio Olavo faz mais de trinta anos, deu palpite de comer broa. E ganhou, quentinha, fumegante. No descuido da patroa, ainda besuntou umas tantas com manteiga de leite Cabeça de Touro. Café quente, de bule, que igualmente elogiou - fazendo a média de sempre com as cozinheiras.

E aí lembrou - pois velho gosta mesmo é de lembrar do fubá daqueles tempos. O fubá da broa. De onde vinha antes o fubá de milho ou de canjica, mais fino ainda?

Do moinho? Não. A rigor, da mó. Gozado que tivéssemos contato antes com o diminutivo, que soava como "munho", associado à munha e a munheca. Criança via primeiro o moinho de café. Um desses, da marca Mimoso, por exemplo:
Assim que tinha força e cuidado, um menino podia moer o café. Aquele cheirinho bom anunciando o gosto.
Só mais tarde, mais crescido e cheio de tarefas, um moleque ia levar recados, fazer mandaletes pra vizinhas entrevadas e muquiranas, podia buscar farelo de arroz para o cavalo ou levar milho para fazer fubá. Ficava na Rua do Contorno, perto da rodoviária velha. E perto do Véio Américo, também chamado vovô. Ouvia-se um barulho arrastado. Uma poeira fina cobria o cômodo. Mas não dava pra ver a pedra de moer, grau normal:


Seu Aristote era o dono do moinho. E não é o caso de atribuir a corruptela ao suposto linguajar matuto. Há por aí um livro de filosofia para crianças que ostenta o muito feliz título "Ari dos Teles" - um menino muito esperto e curioso chamado Ari, da família Teles. Pois ali na cidade havia uma família italiana Storti. Talvez o Véiolavo misturasse os dois. Mas em francês, é correto dizer Aristote, não?

Aristóteless era bom no que fazia: moía, separava, ajuntava. E enquanto girava a roda de pedra, pensava. E como tinha tempo pra pensar! Era estrangeiro e não perdia muito tempo proseando no Bar Glória ou falando de política no bistrô Boa Prosa. Dialogar não era seu forte. Iam rirr de sua sotaque.

Todavia, por morar perto da estação, ficava sabendo de coisas com viajantes, que também traziam-lhe notícias e almanaques de outros lugares. Sobretudo o Xandão, um rapaz briguento mas inteligente, filho de um tal Felipe. Aristóteles moía e separava, peneirava e guardava coisas em latas e caixinhas. E evitava conversa com um filhinho de papai, folgado, dos ombros largos - esse, sim, "amolava" muita gente com seu esnobismo. (Viram a mó de novo aí?)

Na falta de serviço, movimento fraco, Aristóteles ficava matutando. Resolveu juntar o "é" do compadre Dindico, o "mundo" do tio Tuca, os conselhos do mascate sobre paixões na vida, fetiches. E foi desenvolvendo aquilo tudo. Por exemplo, seu mundo não podia ter só quatro elementos, já que as estrelas tem cinco pontas. E um dia ao passar pela porta da casa de saúde, na mesma rua, ou da farmácia do Omar,  teve uma iluminação: o éter seria o quinto elemento. E pode ser que, de repente, ele cheirou sem querer um lança-perfume ao passar perto do clube. Tanto faz, para a arquitetura harmoniosa do cosmos. Seu burro indiano tambem era assim: quatro patas mais um chifre - um só, pois a matéria prima não sobrava, etc.

Assim, chegamos ao fim dessa fase da compilação: Seu Aristóteles, que ninguém chamava de moleiro, reuniu muitas frases e ideias, com muita categoria, certamente. Ele talvez fosse grego, como eram italianos os Stortis. E dizem que no fim da vida, ou antes um pouco, voltou para seu lugar de origem - ma chácara também, talvez maior que aquela da Rua do Contorno. Ninguém entendeu bem, mas um dia ele falou "Estagira" no meio de uma conversa com o ferreiro Zé Faz-Tudo. Inventaram engrenagens para aumentar a potência do moinho. Ajustavam e untavam, quando a conversa misturou. Onde o Sr. nasceu? Esta roda travou mas... esta outra...( Estagira ). Passou batido, caiu no vazio, ao qual a natureza tem horror.

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