segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O tradutor de Raimundo Góis

Este é um post sobre o minúsculo grupo da Teoria Crítica, na Universidade Federal de Uberlândia. 

O post veio compensar o fim da correspondência: poucos escrevem cartas e menos ainda respondem. E essa decadência da escrita inclui intelectuais: não há mais cartas nossas que venham a ser publicadas um dia. Eu mesmo fiz um estudo sobre esse gênero ao traduzir e publicar cartas trocadas entre Kant e Lichtenberg. 

"Hoje pego na pena" para complementar uma fala em recente mesa redonda. Dirijo-me a um colega em particular e aos leitores do futuro. Preciso esclarecer em que circunstâncias eu pareci grosseiro e frio ao participar de uma banca que veio a aprovar para o Departamento de Filosofia o colega Prof. Dr. Rafael Cordeiro Silva. 

Lembrou o colega - e de fato eu não guardava essa cena em minha memória - que, durante a entrevista do processo de seleção, ele se dirigiu a minha humilde pessoa com a notícia de reconhecimento: sabia que eu havia traduzido um livro sobre Habermas. 

Transcrevo a seguir duas crônicas que já estavam escritas um pouco antes do dia 5 de dezembro de 2019, durante evento de comemoração dos 25 anos do curso de Filosofia na UFU.


"Seriedade acadêmica. Um conselho grátis para professores novatos, em bancas de concursos: jamais sorrir para candidatos. Há argumentos na ordem das razões, mas prefiro chocar com a experiência. Estivemos, dois colegas e eu, num processo seletivo para contratar professor substituto. Eu presidia a banca, que teve que reprovar alguns candidatos, com as devidas notas e carimbos. Uma senhora desse grupo “sem sorte” entrou com recurso. Pronto. Travou o processo e nos jogou no vai e vem com a justiça de procuradores e embargadores. Semestre correndo e alunos sem aula daquela matéria. As alegações da figura – no direito dela, que respeitamos também em sério – seguiram nessa linha assaz interessante: nós, os docentes da banca, teríamos recebido a dita cuja com umas caras boas e sorrisos nos lábios. E consta que acenávamos com a cabeça suavemente para frente e para trás, como se concordássemos com as respostas apresentadas pela reclamante durante entrevista, data vênia. Well, agora prescreveu e é hora de rirmos do episódio, mas o caso foi sério e não é agradável ser réu, nem ver contestadas nossas decisões lavradas em ata. Agora é cara feia e seriedade nos procedimentos, para garantir a legitimidade, como bem queria, desde seu ótimo título, o Sr. Niklas Luhmann, sistemático num sentido e talvez sisudo em outro."

Esse episódio foi anterior ao concurso do Prof. Cordeiro Silva. E o texto, inédito, repito: estava pronto antes do dia 5/12/19.

Ora, devo também ressaltar minha situação - de "autor" de terceira mão - como tradutor do livro de Raymond Geuss sobre Habermas e a Escola de Frankurt.  Essa crônica se refere a um fato de 1989 e foi escrita há um ano ou dois:


"Rio de Janeiro, Praia Vermelha, 1989. O filósofo alemão Habermas veio ao Brasil e fui ouvir suas conferências. Ele era meu “material de pesquisa” para o mestrado e eu, por ser um dos primeiros a estudar esse autor, fui convidado para um ciclo de palestras preparatórias. Avião, hotel, prestígio. Eu me senti como os músicos do Paralamas ou do Skank em show para esquentar a galera, nos primeiros anos de Rock in Rio: feliz com o sucesso alheio e o próprio. Em um intervalo entre as palestras, pedi ao colega Álvaro Valls que me apresentasse a Habermas. E fui, de fato, apresentado como “o tradutor do livro de Geuss”, no ano anterior, pela Editora Papirus. O visitante apertou minha mão e disse em bom alemão, que eu já era capaz de entender: “Não leve muito a sério o que ele diz sobre minha obra...” 

******

Então, meu caro colega Rafael. Eis aqui uma resposta acadêmica: eu não podia rir muito em concurso e eu tinha medo de que você também achasse que eu piorei ainda mais o Habermas, em português, etc. 

Mas é igualmente bom lembrar que tivemos vários lances de colaboração e de gentilezas acadêmicas, inclusive bancas de pós e uma orelha para um livro. 

No campo das relações pessoais e familiares sempre estivemos bem e temos várias anedotas a contar, inclusive daquela cerveja alemã no café da manhã em BH, no dia 12 de outubro do ano 2000. 

No futuro, quando você se aposentar, talvez possamos ser - além de amigos - vizinhos nos Alpes suíços, como foram Adorno e Lowenthal. 

Mas não creio que o nosso condomínio de bangalôs fosse maior que isso, pois a Teoria Crítica em Uberlândia não tem um grupo grande. Em parte, a culpa desse encolhimento é a política partidária que nos irrita e afasta - nesta época infeliz de recrudescimento do fascismo.

Esse embate afeta nosso pequeno grupo, mas felizmente, não vale para nós dois, que somos mais da metade do contingente docente dessa tendência interessada em filosofia social. 

Atenciosamente,


Professor Dr. Bento Itamar Borges
(aposentado, UFU)



sábado, 23 de novembro de 2019

AGORAFOBIA será uma das histórias

AGORAFOBIA ERA O MEDO QUE TINHAM DE NOSSA PRACINHA 
(2003)

Os alunos e professores da Filosofia se encontravam antes das aulas para conversar em volta de uma mesa de cimento, com dois bancos em volta. Eventualmente, depois das aulas, em dias especiais, vinha alguém com um violão e canção, vinho Canção... 

O nome de nosso ponto de encontro era pomposo e prestava homenagem às origens da filosofia, na Grécia: Ágora. 

A nossa ágora não era só uma mesa de cimento com dois bancos; era nossa "Stammtisch", nosso totem fixo. Era um hall aberto para receber quem vinha ao bloco U, no campus Santa Mônica, UFU. E também para quem saía, saía mais cedo, matava uma aula, para fumar um cigarro. 

Mas um dia, como cantou Adoniran, vieram os homens com as ferramentas e demoliram nossa ágora, na calada da noite, num fim de semana. E não havia dono que mandasse naquele espaço aberto de uma universidade pública. Foi apenas uma burocrata estressada, vizinha de bloco, de triste lembrança. 

Ficaram a foto e a vivência sempre rememorada, com o auxílio das musas e faunos e de uma câmera digital de um colega. 



Tudo vira história e esta é uma história viva. 

Apareçam lá

Até mais




sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Esse professor era o TAL



Homenagem ao colega Tiago Adão Lara
(*1930/+2019)


Neste ano de 2019, até fins de setembro, eu já perdi oito ou nove pessoas queridas. Mas isso não pode abalar um filósofo. Nem mesmo diante de coincidências como esta: Tiago se foi no dia 26 de setembro, quando meu pai estaria completando 96 – se não houvesse também abreviado seus dias há três anos. Seria irracional desesperar-se ou achar sentido na numerologia. Talvez Tiago nos repreendesse, já que escrevera uma série de livros sobre as façanhas da Razão no Ocidente.

Disse algum filósofo – ou, se não for o caso, eu mesmo digo – que é importante realizar ou desvelar cada um o seu próprio nome. Pois Tiago, que nasceu em São Tiago, já começava bem, ao explorar suas iniciais: ele era o T.A.L. e assinava como tal. Ele passou por Uberlândia e deixou fama, uma boa fama. Um dos poucos professores com seguidores, num sentido anterior e mais amplo que o das redes sociais, virtuais – nem sempre virtuosas. Grupos iam a suas palestras, caravanas se deslocavam para Juiz de Fora, a celebrar aniversários de um sujeito inquieto e que nunca coube na categoria de aposentado ou idoso. E eu mesmo segui até Juiz de Fora, para uma boa conversa com ele e seu público.

Eu não vou aqui recortar e repetir o lattes de nosso colega. Cada um pode conferir datas e títulos lá. Prefiro falar de minhas lembranças e impressões dele e sobre ele. Mas recomendo a quem não o conheceu e nem leu nada dele: leiam a entrevista que ele concedeu um dia depois de lançar seu livro-balanço. Darei o endereço eletrônico ao final. E incluirei o título do referido livro também nos arremates deste que poderia ser um discurso fúnebre, mas é sobretudo um perfil filosófico-pedagógico. Se alguém aí se lembrou de um livro de Habermas, acertou: Perfis filosófico-políticos, no caso do alemão, sobre seus colegas.

Eu mesmo achei o fio da meada para esta homenagem lá naquela entrevista, concedida em 1996. Estive, nos últimos quinze dias, pensando muito no que escreveria, como diagramar, como encerrar. E eis que encontrei, naquela iluminada conversa entre ele, Mário Alves e Maria Vieira, o fio condutor e a confirmação da imagem que construí dessa pessoa notável e merecedora de nosso respeito.

À guisa de exemplo – de minha memória e, mais ainda, da presença marcante e da verve de nosso homenageado – eu sempre mantive algumas passagens da entrevista, que bem ilustram a atitude e o estilo de Tiago. Ele era, mesmo que fora do eixo das bienais de arte, um cara performático. Diante da onda de comunicações remotas, mediadas pelas eletrônica, ele disse que era um sujeito antigo, pois era alguém da era da escrita. Se um dia quisessem encontrar uma pessoa jurássica, que ainda escrevesse, podiam procurá-lo para exibição. E curtia escrever à mão. Num evento com um grupo de agentes sociais, fora do ambiente acadêmico, ao promover o clima para um debate sobre lixo, ele cuspiu no centro da sala: ploft! Choque e silêncio. Para chocar e perguntar se aquilo era ou não era lixo. Ou então sugeria que todos olhassem para cima, para avaliar o tipo de telhado que os cobria – um parâmetro para avaliar classe social e condições de vida dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Confirmo o que ele disse na entrevista: ele teria se recusado a escrever na linha acima “ensino-aprendizagem”, pois fugia do jargão que ia se enraizando nas falas acadêmicas. E eu também percebia isso. De repente, era “postura”, depois “clivagem”, depois “travejamento” – tudo, para evitar o contaminado conceito de “estrutura”, por exemplo. E aí vieram os plurais: saberes, culturas, imaginários. E a gente olhava de banda essa terminologia evasiva e invertebrada.  

Em outra ocasião, alguém vai saindo da sala de aula e diz a ele “Tiago, um abraço!” – o professor chama de volta o sujeito e diz e faz: “eu estou aqui, vem aqui e me dá um abraço”. Esse é o máximo da performance, da definição ostensiva. Reencontrei essa bela atitude de filósofo em outro, o gaúcho Jayme Paviani, que resumiu assim seus agradecimentos, depois de uma homenagem na PUCRS: “Não vou discorrer sobre a gratidão; vou agradecer: muito obrigado a vocês!”

Eu posso apostar que, durante aquela histórica entrevista, Tiago se postou como sempre fazia em reuniões: tirava os sapatos e enroscava os seus pés vestidos de meias nas pernas da carteira escolar. Ficava sempre aprumado na cadeira, gesticulava muito e usava expressões como “o governo quer enfiar o pau na roda”, ou seja, travar nosso trabalho, cercear nossa liberdade de pesquisa, sucatear nossas condições de trabalho. E, assim como fazia João Cabral de Melo Neto, nosso colega sempre conferia com a audiência: “compreendem?”, “estão entendendo?” – pois ele era um professor. E falava isso rapidamente, como quem dissesse “né”. Mas ele não diria assim, pois não queria que a audiência concordasse com ele; queria transmitir com clareza sua lição, sua mensagem. Escolástica da boa.

 De repente, nesses últimos dias, pensei que poderia apresentar Tiago aqui como um moderno, no sentido que a discussão assumiu naquele final de anos noventa, por exemplo em Lyotard: moderno é quem acredita nos grandes discursos. Pós-moderno é quem não acredita mais nisso. E a “Razão” era um desse grandes discursos. O que me pareceu? Que um ex-padre, como era o caso de nosso colega, passou a adotar outra conversa pesada como essa que ele quis arrastar desde os gregos até onde teve fôlego ou até onde a editora Vozes podia bancar. Um sucedâneo para a cruzada em prol da cristandade? Menos: uma editora e um autor interessados em combater a ignorância e o preguiça.

Mas não era bem isso. Tiago via que seus alunos em diversos colégios e faculdades não tinham pré-requisitos e não sabiam do que se falava em sala de aula. E ele era um professor que queria ser compreendido no ato. Ele era apressado, afobado até. Então aquelas apostilas, numa época carente de textos básicos, vieram a ser um livro e depois uma série que cobriria vinte séculos de especulação. Mas isso não implica que ele fosse um racionalista estrito. Os entrevistadores Mário e Maria exploraram bastante essa oposição entre razão e emoção, com referência a livros de sucesso à altura.

E além disso, Tiago era – ao lado da esposa Maria Helena – um homem de ação, sobretudo em ação pelas causas da educação popular e na luta pelos direitos humanos.

Voltarei a esse aspecto de humildade e coerência do casal. Mas não posso deixar de revelar aqui outra riqueza da empreitada de Tiago nessa série sobre a Razão a passear pelo Ocidente, por caminhos difíceis e cheios de armadilhas da metafísica e enroscos da dialética. Sucede que ele defende, ao final da entrevista, a mesma tese de meu herói alemão favorito: Habermas deixou um texto forte com título de raro bom gosto – “a modernidade, um projeto inacabado”.

Ora, se o projeto moderno não se cumpriu, então não podemos dar espaço aos pós-modernos, que são apenas neo-conservadores (na visão de Habermas e de seu crítico aqui). O que nos cabe é continuar a desenrolar o projeto moderno, fazer valer seus altos valores humanos como o belo, o justo, o verdadeiro.

Aqui devo confessar – e confessar traz mesmo um cheiro de sacristia – que numa ocasião dessas, com data marcada, eu entrei de Pilatos no Credo. Foi em 1989, quando Tiago e eu e uns três pioneiros da filosofia na UFU organizamos o primeiro curso de especialização. A deixa foi a revolução francesa nos seus duzentos anos. O cartaz pequeno e barato, xerox fosca, era ilustrado pela figura de Delacroix, a liberdade a conduzir a humanidade. Mas a arte improvisada nem deixava ver o detalhe... dos peitos de mãe à mostra. Pois bem, o tema era a liberdade e daí o liberalismo. 

Eu dividi o programa de minha disciplina com o Professor Cícero. Em minhas trinta horas apresentei “por dentro” a filosofia de Karl Popper: conexões do falibilismo com a engenharia social que veio dar na Escola de Chicago, na agenda liberal desumana e coisa e tal. (E o Delfim Neto ainda por aí: vaso ruim, difícil de se refutar... )
Tiago convidou para o curso um colega seu que sabia tudo de história das idéias, sobretudo dentro das tradições do catolicismo. Riolando Azzi era o nome do padre ou ex-padre. Um show de erudição para nosso proveito e deleite. Tiago também havia estudado no mestrado e no doutorado importantes tendências do pensamento religioso (e conservador) na escola do Recife.


Pois bem, com base nesses cursos – e eu fui ver todas as aulas de Tiago e de Riolando, pois interdisciplinaridade também era isso – e me empolguei a ponto de escrever um artigo. Ora, eu já havia publicado uns quatro ou cinco artigos dentro dos padrões acadêmicos, mas acontece que nessa época eu estava muito ligado aos eventos culturais da cidade, escrevia e desenhava charges para jornais locais, enfim, estava ensaiando um lance mais urbano, underground. E aí, meu texto misturou o tema duplo do curso - “saber e poder” - na direção da canção de Caetano Veloso,  “Podres poderes”, no estrondoso disco Velô, banda excelente.

Para piorar minha barra, joguei com o trocadilho “padre/podre”. Pronto! Dancei de vez. Professor Tiago torceu o nariz, afastou o manuscrito, resmungou. E recusou o artigo. Não para a nossa revista. Ficou só na xerox distribuída em sala de aula. Nesse momento e talvez só ali me alinhei a uma versão suave do pós-modernismo, no reles sentido da “porralouquice” dos anos meia-oito. Nessa época, pós-modeno incluía uma subcultura punk ou neo-barroca. Em seguida, eu reassumiria – por cima de certo anarquismo – o programa de levar adiante o programa emancipatório, ou seja, moderno (capitalismo tardio).

Estamos chegando ao fim desta homenagem, para arrematar – mas sem amarrar as pontas. E o fim não é nenhuma catástrofe. Quero falar das últimas atividades em conjunto, as mais recentes leituras. Mas antes, completo o perfil de Tiago em sociedade e em família. Ele continuava – ao lado de Maria Helena – a viver na simplicidade, pois foram os dois morar em um bairro operário. E circulavam de fusca meio verde meio cinza. E o guarda-roupa básico de Tiago era uma pequena coleção de calças de tergal, camisas sóbrias E sempre aos ombros um colete básico para os meses frios. Mais que a simplicidade, sobressaía-se a generosidade.

Em 2008, Tiago me convidou para o café filosófico que ele organizava em Juiz de Fora. Eu paguei a gasolina de meu VW e corri bastante para o Sul de Minas. Eles me hospedaram no apartamento onde moravam. Essa coisa dos movimentos populares e eclesiais de base, que poucos e cada vez menos entendem. De lá e de cá. Depois de um vinho, mais tarde, ainda ganhei de lembrança do casal: um belo cálice de estanho, produzido na região onde Tiago nasceu, São João Del Rei. Minha exposição lá se misturou com o meu livro de pós-doutorado: uma defesa do ensaio.

De novo, quinze anos depois que ele saíra de Uberlândia, voltei a ver Tiago sem os sapatos, com os pés enrolados na cadeira, a espinha na direção do palestrante (como nos ensinou o livro O Corpo Fala): muito atento a minha fala, tomava notas, pronto pra começar a sessão de perguntas. Fiz o que pude, mas percebi que ele queria mais, esperava mais. Não me preocupei ao decepcioná-lo, em algum grau, pois a pressa de seu raciocínio e sua sede de saber, sua ganância era o que ainda e sempre o movia.  Eu mesmo me diverti ao dizer que aquela minha palestra era apenas... o ensaio da seguinte.

Agora, por ocasião de seu falecimento, achei na internet uma nota num jornal de Juiz de Fora, que destacava a importância daqueles eventos do café filosófico que Tiago criara e mantivera por tanto tempo. Ele deixara a docência mas não se aposentava como pensador, como agitador cultural. Ele tinha que por a Razão a caminho, ainda e sempre.

Nosso Departamento de filosofia foi criado - ou “redimensionado”, como constava nos autos em 1987 - com a divisão da grande área da Pedagogia. Éramos uma equipe que lecionava Filosofia disso e daquilo além de Metodologia Cientifica em diversos cursos.

Logo no início, tivemos uma boa iniciativa: a criação da reunião acadêmica. Diferentemente das cansativas reuniões burocráticas, essas serviram de imediato para a exposição das dissertações de mestrado, teses de doutorado e projetos da prata da casa. Tiago e eu fomos os primeiros. Ele deve ter tido duas sessões pois já era mestre em 77 e doutor em 88. “As raízes cristãs do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo” cresceriam para “Tradicionalismo católico em Pernambuco”.

Também por conta de seus contatos e orientadores, Tiago foi importante na criação e na condução de nosso primeiro “laboratório”, o NUCLA. Vieram falar conosco o grande nome da pesquisa sobre filosofia no (e do) Brasil, Antônio Paim e, pela nova geração, José Maurício de Carvalho, dentre outros. Tivemos uma rica permuta de resenhas e presença em eventos entre Uberlândia e São João del Rei, mas não nos envolvemos demais nos grupos luso-brasileiros, como esse que estuda linhas de pensamento em torno de Antero de Quental. E, um dia, numa reunião, Tiago declarou que o Núcleo de Cultura Latino-Americana já não era bem o que ele queria. De fato, as atividades políticas e culturais foram nos afastando do questionamento inicial “se existe uma filosofia latino-americana”, etc.

Tiago tanto era capaz de... “enfiar o pau na roda” de nossos projetos a desandar, como se dava ao direito de se afastar de pensadores mais conservadores nesse meio, no ambiente da Gama Filho, por exemplo.  O liberalismo era o seu corpus de pesquisa; não era sua linha política. Por essa época, ele também desinteressou-se pelo positivismo. E me indicou para ir em seu lugar a um evento dessa linha em Curitiba, 1990. Fui e falei de avanços de Habermas – no embate com Popper e Hans Albert – em uma mesa onde pontificava com toda clareza e convicção o grande pensador e ativista brasileiro Leônidas Hegenberg. Tiago me concedeu essa grande oportunidade e fiquei agradecido.

Esse nosso colega era mesmo o TAL e foi incluído na importante publicação do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro. O fundador do CDPB foi Antônio Paim, que orientou Tiago no mestrado e apresentou o livro dali resultante, em 1977. A base do acervo foi a biblioteca pessoal de Paim, doada para essa bela causa. Estive lá, para visitar a sede do centro, que fica perto do elevador Lacerda, em Salvador. 

Mas nosso colega Tiago fez por merecer: virou verbete no Dicionário Biobibliográfico de Autores Brasileiros, obra publicada pelo Senado Federal, em 1999 – numa série que traz clássicos da pesada como Euclides da Cunha, Nabuco, Rui Barbosa, dentre outros.

Quem quiser ensacar fumaça pode reclamar da ausência de um Paulo Freire nessa dicionário. Eu mesmo quero achar que outros estão sobrando lá, como o breve ministro Ricardo Velez Rodrigues, triste figura. E nem era brasileiro. Tudo bem, a Barbara Freitag é alemã e consta no dicionário. E nem é por viés político, pois o Darcy Ribeiro coube... Enfim, o livro está impresso e costurado. Tiago merece o reconhecimento e não elaborou a listagem. E cabe a nós outros prestigiar a memória e a obra de Freire e outros que ficaram fora daquela fonte de consulta.

O que me interessa é que, em sua prática docente, o professor Tiago Adão Lara pode ser colocado, sim, ao lado de Paulo Freire, que conheci e tanto admiro. Isso tem que ficar claro hoje: esta aproximação é um elogio e um duplo reconhecimento. A primeira aparição pública de Paulo Freire, em 1981, após voltar do exílio, no Congresso de Leitura da PUC de Campinas. Eu estava lá. Foi de arrepiar ouvir o grande mestre contar de sua infância, sobre como aprendeu a escrever com graveto no chão do quintal de sua casa no Recife, aos dez anos, antes de ter lápis e papel. A palavramundo... (Isso está publicado como “A importância do ato de ler”)

Pois assim também Tiago, em seu impressionante livro A escola que não tive... O professor que não fui... fez um balanço de sua vida de aluno e professor (e professor que aprende). Livro dedicado a seu pai, que tinha sido professor também. Ora, eu não me propus aqui a fazer um tratado exaustivo nem mesmo de minhas lembranças ou das atividades coletivas em que nos envolvemos, na academia, na revista, no sindicato, na ação política. É uma amostra e ninguém precisa esperar sínteses. Por exemplo, o que fazer com os poemas de Tiago? O livro, organizado por Maria Helena e ilustrado por Lucimar Bello, apenas espera ser relido – como são lidos os poemas.

Tiago Adão Lara, eis um nome que precisa ser lido por inteiro. Deve ser uma regra da métrica poética, mas é também, com dizem os hermanos norte-americanos: ficar famoso é revelar o nome do meio. E a fama é boa, que eu ajudo a propagar. Essa abordagem negativa é a cara do colega aqui relembrado: não tive, não fui. Essa aparente incompletude expõe aquela sede de saber e de realizar, que tanto o caracterizava. Se ele tivesse tido tal escola e sido tal professor, não duraria muito. Ia logo dizer o oposto do que dissera antes, à moda Raul. Ele, em seguida, discordaria do que houvesse feito e conquistado, para não se acomodar, pois não suportaria enrijecer escola e professor numa recaída metafísica. Sempre o processo, a dialética aberta.


Eu me orgulho de dizer, encerrando esta homenagem, que Tiago Adão Lara foi o grande colega-professor que eu tive. E que a escola que de fato temos hoje na UFU – com a filosofia em seu centro geodésico – muito deve a esse grupo pioneiro, da transição e da implantação. E o Professor Tiago Adão Lara foi ali, para nós todos, uma figura central, fundamental.

Prof. Dr. Bento Itamar Borges

[ O endereço para ler a referida entrevista concedida pelo Prof. Tiago Adão Lara, em 1996, é http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/935/849 ]




quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Nem Nancy, nem Axel

Não é a Nancy Reagan e nem o cantor do Guns and Roses. 



Esta dupla negativa, no título, avisa: não vou falar de Nancy Fraser e nem grande coisa de Axel Honneth. 

Outro dia, recusei educadamente um convite para banca de doutorado. A candidata, que eu não conhecia, não me levasse a mal e muito menos seu orientador, o qual conheço e era tipo meu sósia - o naipe.

Mas eu não iria a uma banca sem saber o básico sobre essa norte-americana Nancy. Eu teria que fazer alguma ginástica a fim de enquadrar essa militante e seu discurso ao ponto de poder criticar o seu provável afastamento da fonte, Habermas. 

Se eu ainda estivesse "na ativa", professor universitário em sala de aula, com os compromissos junto a nosso programa de pós, talvez me desse a esse trabalho. Verdade é que vou perdendo o pique e o interesse sobre certos desenvolvimentos. Mas também é certo que fiquei interessado na abordagem "normativa" da referida tese que, a essa altura, já deve ter sido defendida e aprovada. 

Essa tomada de posição pelo "normativo", pelo programa racional que visa também a substância das teorias sociais - e lhes reconhece uma direção, um interesse emancipatório - tem tudo a ver com a leitura que fiz de Habermas. E com o esforço que fiz para continuar a desenvolver alguns itens da agenda desse teórico crítico tão influente nos meios acadêmicos, há três décadas. 

Por motivos semelhantes, também tive que dizer "não conheço" a respeito de Axel Honneth. Esse alemão é vinte anos mais novo que Habermas e teria desenvolvido uma certa "Teoria do reconhecimento". Consultado por uma ex-aluna, hoje em programa de doutorado, tive que dizer como diria em tempos de atuação docente: desculpe, mas nunca li. 

E não foi por falta de material. Eu havia trazido da Alemanha um volume do livro roxo, da Suhrkamp: Kritik der Macht (Crítica do poder), mas tive que ler uma mala de livros para meu doutorado, em outra direção, inclusive obras de Marx, Neumann,  Koselleck et caterva. 

Mas neste segundo caso, pude ir um pouco além da recusa, até por não se tratar de banca. Nessa demanda, era possível enquadrar e auxilar, de longe, assim: a nobre e eventual consulente estava tão bem qualificada para um ataque indireto quanto eu mesmo, visto que estivemos juntos num aprofundado estudo da incisiva coletânea de Habermas: Discurso filosófico da modernidade. Ali encontra argumentos e posicionamento firme quem quer enfrentar e desbancar aqueles neo-conservadores sob o disfarce de "pós-modernos". Foi uma lavada geral, sobretudo contra os franceses. Mas também sobrou para o velho Nietzsche e outros vultos da "teoria tradicional", conforme o rótulo impiedoso de Horkheimer - avô da Escola de Frankfurt. 

Não sei até que ponto esse jovem (aliás, mais velho que eu sete anos) professor Honneth se apoiou em Foucault e, por conseguinte, até que ponto se aplicam a ele as críticas feitas ao francês pelo nosso teórico crítico predileto. E, além disso, eu não fiz o caminho de volta a Hegel - pois  para compreender as teorias da crise, o ponto de inflexão é a obra de Marx - e daí para a frente (não para antes do materialismo histórico, etc.)

A liberdade de pesquisa é uma bandeira aqui e acolá. As linhas de pesquisa e os interesses editoriais determinam também a nova produção, etc. Todavia, para resumir e sem querer ser grosseiro, volto a defender a linha que segui para minha própria pesquisa em filosofia. E não tenho motivos para me "atualizar" e nem para buscar novos autores que teriam "superado" Habermas. Como assim, meus caros hegelianos de...  

Preciso rir ao final, aqui, pois isso é um blog e não um pedido de bolsa ao DAAD. Sucede que outro dia li um artigo aparentemente agressivo de Domenico Losurdo que, de início irritava o leitor em geral, mas depois convencia o marxista em particular. Losurdo disse algo como "ninguém é obrigado a ser marxista, mas caso queira seguir tal autor, terá que adotar tais e tais categorias". Ou vá montar uma banda de rock, como sugeria outro conhecido italiano, Umberto Eco (acrescento por minha conta, sem risco). 

Well, no nosso caso e na nossa época, é pouco provável que alguém diga "sou habermasiano", mas é certo que muitos de minha geração não queiram banalizar o sentido certamente sério de "reconhecimento". Por suposto, não vale tudo para que se obtenha o sucesso efêmero no ambiente acadêmico e editorial. Vou me aferrar ao paradigma no qual investi. 

Isto foi apenas um post, sem destinatário fixo. 

E não está no blog que criei para falar de Habermas, pois não é sobre ele. Este post lá seria uma não notícia. 

Atenciosamente,

o Professor Titular deste blog do cerrado 

Hasta la vista, BIB


terça-feira, 23 de julho de 2019

J. N. Heck - homenagem póstuma




Por muitos anos, Heck era para nós o J. N. Heck, o tradutor do primeiro livro de Habermas para o português: Conhecimento e interesse. Quando fiquei sabendo que esse tradutor tinha trabalhado como advogado na Alemanha, respeitei mais sua capacidade, antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente. 

Aí, por volta de 1995, com a criação de nossa graduação, em Uberlândia, intensificou-se o contato de nossos docentes com os de Goiânia, em diversas ocasiões, em bancas e eventos acadêmicos. Quando o mestrado da UFG começou a funcionar, eu fui convidado para integrar o corpo docente de lá, o que não foi possível por razões pessoais e, sobretudo, por compromissos na UFU – inclusive a criação de nosso programa de pós, prometido para 2005 e concretizado logo depois.

Mantivemos por uns tempos o projeto de criar um doutorado consorciado de filosofia no Brasil Central, que reuniria UnB, UFG e UFU. Essa tríplice aliança não vingou, como tal, mas inspirou extensa colaboração. Por exemplo, a revista Philosophos, que contava em seu conselho editorial com docentes das três universidades, inclusive Heck e eu; lá demos pareceres, publicamos algum artigo e nos encarregamos alternadamente da edição de cada número.

Guardo uma foto da banca de mestrado que arguiu e aprovou Maria do Socorro Ramos Militão: os professores Heck, Joel P. de Ulhoa e eu. Isso foi na UFG, em 2003; temas da filosofia política de Gramsci. E estive em outras duas bancas de orientandos dele, me parece. 

Cotas. Em algum momento de 2005 ou 2006, nossa seção sindical, Adufu, participou intensamente do debate sobre cotas – ações afirmativas. Eu estava na diretoria - e um pouco antes também na chefia do Defil - e convidei Heck para falar a favor dessa causa. Um colega da universidade de Pelotas, convidado por outras instâncias, pronunciou-se contra essa política. Dois gaúchos, portanto, no confronto.

Heck começou sua defesa com motivos da doutrina jurídica, argumentos liberais e pragmáticos. O que interessa aqui, nesta homenagem póstuma, é destacar um testemunho original do colega, sempre tão firme e incisivo. Heck disse que defendia as cotas raciais por uma experiência de sua infância no sul do Brasil. 

Sua família, de origem alemã, era educada e controlada com muito rigor e rigidez. O patriarca não queria que seus filhos fossem visitar ou frequentar uma certa vila onde viviam trabalhadores negros e mestiços. Não deviam se misturar. Um dia, nosso colega Heck desobedeceu seu velho e foi escondido espiar os “brasileiros”. Voltou chocado. Mudaria para sempre sua opinião sobre as diferenças étnicas e os falsos argumentos que buscam manter a discriminação e a desigualdade. Onde estava a originalidade desse episódio? É que o jovem Heck viu e relatou em casa o seguinte: os outros vivem melhor do que nós, comem melhor, são mais felizes e alegres... Foi um nó na cabeça do velho preconceituoso. E o relato disso incomoda universitários egoístas.

A essas alturas, já sabíamos seu nome do meio: Nicolau. O tradutor de Erkenntnis und Interesse era, por extenso, José Nicolau Heck. E esse professor workaholic voltaria a tratar de temas habermasianos, por exemplo em seu livro Ensaios de filosofia politica e do direito – Habermas, Rousseau, Kant (UCG, 2009). Sua discussão com os autores, elencados no subtítulo, faz todo o sentido, pois Kant dava a matriz epistemológica daquela obra de 1968, ainda dentro do paradigma da reflexão (com um feliz argumento transcendental, inclusive: interesse emancipatório da humanidade). Guardo com carinho meu exemplar desse livro de Heck, autografado no lançamento.

Duas observações sobre “teoria”. Heck era direto, quando expunha suas teses em eventos. Enunciava de saída suas convicções, sem enrolar a audiência com prolegômenos. Depois, claro, fundamentava sua defesa no melhor estilo acadêmico. Guardo de dois eventos – um na UFG e outro da Anpof, eu acho – as seguintes afirmações dele que pesquei ao passar por um anfiteatro lotado, quando eu ia procurar meus gatos pingados para expor minha comunicação, numa sala menor. Primeira: “as melhores teorias políticas são aquelas que partem do pressuposto de que o homem é mau. Maquiavel, Hobbes, Carl Schmitt, por exemplo”; segunda: “Marx não tem uma teoria política, pois falta a ele uma teoria do Estado”. Perfeito, na mosca. Eu mesmo viria a afirmar – carregado de razão e estressado pela tarefa de continuar a teoria crítica – que Marx não elaborou uma teoria da crise. Sobrou para nós. Isso e aquilo.

Evento na Paraíba, 80 anos de Habermas. Ajudei a organizar esse evento encabeçado pelo nobre colega Edmilson Azevedo. Montei uma mesa redonda com os colegas Osvaldo Freitas e Roberto Gomes. E convidei o Professor Heck, que se prontificou. Foi e se sentiu muito prestigiado entre os feras de sua (nossa) geração: Roaunet, Barbara Freitag, Flávio B. Siebeneichler, dentre outros...grisalhos. Heck não escondia seu entusiasmo durante o evento e sua gratidão em seguida. Aquele foi o maior evento realizado no Brasil, em homenagem a um autor que ele ajudou a divulgar e desenvolver. (E é claro que eu me senti bem ao retribuir, assim, tantas gentilezas e oportunidades providenciadas pelo colega Heck, que agora nos deixa com saudades e encargos).

Em 2010, convidei Heck a prefaciar o livro Direito e democracia, que organizei junto com Osvaldo e Roberto Gomes, financiado pela Fapemig. À altura, Heck já estava fazendo exames de coração e pretendia pela primeira vez na vida levar a sério o estresse e diminuir os encargos. Em uma mensagem – quando teve que adiar a resposta e se desculpar – ele dizia que o terrível seria tomar dois comprimidos por dia até o fim da vida. E esse fim veio agora há pouco, dia 8 de junho.

Heck trabalhava muito, até demais, diria seu médico. Quando se aposentou na federal de Goiás, assumiu a coordenação de dois programas de pós-graduação na Católica. Mas, de novo, ele veio com uma inteligente observação, meio arrevesada, sobre os goianos. Não, ele disse, não é que os goianos não gostem de trabalhar; eles trabalham tanto quanto os outros, mas quando estão de folga, em volta de uma mesa de bar, um churrasco, uma pamonhada... aí ninguém fala de serviço. E Heck gostava dessa pausa, dessa libertação provisória do trabalho, tantas vezes prometida pela ficção e por teorias revolucionárias.

Gostei muito de ouvir dele essa declaração, pois conheço muito bem Goiás e os goianos. Essa lembrança me leva a uma outra, que confirma a visão de Heck. Um dia, que não consigo agora indicar com precisão, estávamos na casa do antropólogo Mário “Animal” Arruda a assar um enorme peixe. Ele aprendera com os índios a testar o ponto do cozimento quebrando o rabo do dourado, que devia sobrar para fora do embrulho de folha de banana ou de alumínio. E era bom que demorasse, pois bebida não faltava no aniversario dele. E a prosa era boa. Além do irmão dele, o poeta Arruda, o Jordino Marques, o José Ternes, talvez o Darci Accorsi  e mais alguns importantes filósofos e antropólogos do conceituado IGPA. Já não me lembro de todos que estavam lá, mas certamente faziam parte da turma de Heck. Falava-se de tudo, menos de... trabalho acadêmico. Não era hora. Tantas histórias.

Certa vez, eu contava a alguém sobre “nosso grupo” de pós-graduandos na UFRGS, quando percebi uma discreta careta de espanto. Sim, eu repeti, nós formávamos um grupo, uma geração – com certa coesão e relevância. Em outros casos, a gente só vem a saber que participou de um coletivo tempos depois. É o caso do envolvimento de nossos colegas da UFU com os goianos da UFG e, em certo grau, com os de Brasília. Como na anedota da busca de um tesouro no quintal que resultou em uma colheita melhor de nagôs e legumes na safra seguinte. O que conseguimos nas três instituições – que tiveram a sorte de contar com o ânimo do Professor Heck – valia ouro e continua a trazer frutos para as novas gerações de um país que precisa pensar de forma consequente, o que faz parte das “condições de possibilidade” da emancipação.

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Prof. Bento Itamar Borges
Julho de 2019

domingo, 5 de maio de 2019

FILÓSOFO KM 63


2019


FILOSOFIAS DA VIDA. De volta à vida. Quanto tempo queremos viver? É bom viver muito?

A pergunta ganha um novo sentido agora. Pois nesse ínterim, quase fui pras cucuias – wherever that may be – e subi mais um belo e glorioso degrau na timeline dessa preciosa jornada telúrica: tornei-me avô. O meu velho e invisível Avohai...


Aqui está uma tabela para animar os calouros da filosofia. Não se trata de medir QI e nem saber se você joga xadrez ou sabe falar de vinhos. O importante é viver muito.

E aqui cada um pode se situar em relação aos filósofos que já partiram desta. O número à esquerda indica o quanto a figura viveu. A cada ano – se Deus lhe der vida e saúde – movimente uma casa para diante.

Km 63. O filósofo do cerrado, que também acredita em geração espontânea, no éter e foi, sim, preceptor de Alexandre, seu irmão mais novo cinco anos, a quem ensinou golpes de capoeira e pesca de lambaris, está em 2019 na boa companhia dos então viventes Adorno, Mandeville e Moses Hess (não é o Mises), com os quais se identifica também por haver ajudado a desenvolver a teoria crítica – inclusive sob a motivação socialista, com atenção às nações e contra o imperialismo – mas nunca se atreveu a produzir mel, pois sabe que as abelhas reais nada fabulosas tem ferrão.  Quanto ao sionismo, vai continuar no dilema e pretende sim visitar a terra santa nesta encarnação ainda.


Faça sua própria classificação. Veja como está seu ranking. Não custa nada. E não é o tipo de mensagem que precise passar adiante. Importante é manter-se vivo e tentar chegar aos 103 anos. Para isso, não precisa ser arquiteto de JK, mas sem dúvida a receita passa pela combinação de verdad y método.


...
29 NOVALISGeorg Philipp Friedrich von Hardenberg (1772 - 1801)
38 LURIA, Isaac  (1534 - 1572)
40 LASK, Emil [1875-1915]
42 KIERKEGAARD, Søren Aabye - (18131855)
44 WHORF, Benjamin Lee (1897-1941)[1]
46 BAUDELAIRE, Charles. [1821- 1867]
48 BENJAMIN, Walter [1892-1940)
49 AUSTIN - (Lancaster, 1911 - Oxford,  1960)
52 FICHTE, Johann Gottlieb [1762-1814]
53 MERLEAU-PONTY, MAURICE (1908 - 1961)
54 DESCARTES, René (1596 - 1650)
56 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm (1844 – 1900)
56 SAUSSURE, Ferdinand de: (1857 - 1913)
56 WEBER, Max [1864-1920]
56 ALIGHIERI, Dante: (Florença, 1265Ravena, 1321)
58 FOUCAULT, Paul Michel (1926. – 1984)
58 MAQUIAVEL, Nicolau [Niccolò Machiavelli] (1469 – 1527)
59 HERDER, Johann Gottfried von (1744 - 1803)
59 DURKHEIM, Emile. [1858-1917]
60 SIMMEL, Georg (1858-1918)
61 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich [1770 – 1831]
62 ARISTÓTELES (Estagira, na Calcídica 384 a.C. - 322 a.C.)
62 WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann - (18891951)
63 ADORNO, Theodor (1903 – 1969)
63 HESS, Moses (1812-1875):
63 MANDEVILLE, Bernard de (1670 – 1733)

è 63 FILÓSOFO DO CERRADO (born in 1956, and counting…)


65 BARTHES, Roland (19151980)
65 BATAILLE, Georges (1897 – 1962)
65 SAINT-SIMON, Conde de, ou Claude-Henri de Rourroy - (17601825)
66 KOJÈVE, ALEXANDRE (1902 - 1968)
68 HUMBOLDT, Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand (1767- 1835)
68 MEAD, George Herbert [1863-1931]
69 MAIMÔNIDES, Moisés: (1135-1204)
70 BRETON, Andre – (1896 – 1966)
70 LEIBNIZ, Gottfried (1646 - 1716)
71 LUHMANN, Niklas (19271998)
72 BOURDIEU, Pierre: (19302002)
72 SCHOPENHAUER, Arthur (1788 – 1860)
73 BAUER, Bruno (1809-1882)
73 HOLDERLIN – Johann Christian Friedrich (1770 – 1843)
73 KOSELLECK, Reinhardt [1923 – 2006]
74 DERRIDA, Jacques (19302004)
74 KUHN, Thomas Samuel: (19221996)
74 LYOTARD, Jean Francois: (1924 —1998)
75 CASTORIADIS, Cornelius (1922 - 1997)
75 PEIRCE, Charles Sanders (1839 - 1914)
75 SARTRE, Jean-Paul Charles Azmard (19051980)
75 SOREL, Georges Eugène - (18471922)
75 KORSCH, Karl. [1886-1961]
75 ENGELS, Friedrich - (1820 - 1895)
75 MARX, Karl [1818, 1883)
76 JUNG, Carl Gustav (1875 -1961)
76 RORTY, Richard: (1931 - 2007)
76 VICO, Giambattista (1668 - 1744)
77 FREGE, Friedrich Ludwig Gottlob: (1848 - 1925)
77 PARSONS, Talcott Edgar Frederick (1902 - 1979)
78 BACHELARD, Gaston (1884 - 1962)
78 DILTHEY, Wilhelm (18331911)
78 HORKHEIMER, Max (1895 – 1973)
78 RUGE, Arnold (1802-1880):
79 HUSSERL Edmund Gustav Albrecht  (18591938)
79 SCHELLING, Friedrich Wilhelm Josef. [1775-1854]
80 LACAN,  Jacques-Marie Émile (1901 - 1981)
80 KANT, Immanuel - (17241804)
82 FREYER, Hans (1887 - 1969)
82 HAMANN, Richard Henry: (1879–1961)
82 BERGSON, Henri-Louis (Paris, 18591941
83 FREUD, SIGMUND (18561939)
84 PIAGET, Jean. (1896  -1980)
84 SWEDENBORG, Emanuel  (1688 – 1772)
85 SCHOLEM, Gerschom: (1897 – 1982)
86 DAVIDSON, Donald Herbert (1917 – 2003)
86 JAKOBSON, Roman Osipovich: (1896 - 1982)
86 JASPERS, Karl Theodor: (1883 - 1969)
87 CREUZER Georg Friedrich (1771 - 1858)
87 HEIDEGGER, Martin [1889 – 1976]
88 DUMÉZIL, GEORGES (18981986)
89 LÉVINAS, Emmanuel: (19061995)
91 HOBES, Thomas (1588 – 1679)
92 POPPER, Karl R. (19021994)
96 BLANCHOT, MAURICE (1907 -- 2003)
97 SCHMITT, Carl - (18881985)
100 LÉVI-STRAUSS, Claude (Bruxelas, 28 de novembro de 1908...)
102 GADAMER, Hans Georg. [1900 – 2002]

A tabela ainda está sendo testada. Já passamos da fase de laboratório, com ratos e homens (Of mice and men).  Aos poucos, alguns escritores serão substituídos por filósofos com pedigree, antes que alguém entre com recurso. Por razões estéticas, seria bom dispormos de uma tabela que exibisse pelo menos um filósofo para cada idade. E quem souber de um pensador, tipo James Dean, que tenha vivido rápido e morrido cedo, favor enviar comentário. Hasta la vista, babe.



[1] Acrescento aqui em 2018 o Whorf, seguidor de Sapir, que não é bem um filósofo. Mas quem o é? Esse era um engenheiro de segurança que visitava indígenas, que falavam outra língua e...viviam em outro mundo, etc. Ora, isso interessa à filosofia. E Wittgenstein também era engenheiro...

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Leituras recentes :

2018:

Caminhos dos Gerais, contos de Bernardo Elis (li e reli devagar e comecei a analisar agora)

As despesas do envelhecer, de Cineas Santos, ed. Corisco, Teresina

O pêndulo do relógio, de Charles Kiefer

Sobrescritos, poemas do Harley

O pomar e o pátio, J. Paviani

La vuelta al dia en ochenta mundos, tomo I, Cortázar

Primeiros cantos, Gonçalves Dias

A morte e a morte de Quincas berro d’água, Jorge Amado

O herói hesitante, Danislau Também

O melhor de Estanislau Ponte Preta

La vuelta al dia en ochenta mundos, tomo II, Cortázar

A nuvem, Sebastião Nery (600 páginas)

Os contistas e outras histórias, Moacir Scliar

Sacco e Vanzetti, de Howard Fast

Rio Madeira, no ano em que completei o mapa do Brasil, ao visitar
Acre e Rondônia