segunda-feira, 7 de agosto de 2023

ERNESTO NOS CONVIDOU PRA UM SAMBA - parte UM

 

Ernesto, o Virtuoso

Supõe-se que um filósofo só escreva discursos fúnebres de pessoas de sua convivência ou, pelo menos, conhecidas. E é também claro que nem todos os conhecidos mereçam a deferência, pois a simpatia conta. E a antipatia desconta. E seria de péssimo tom avisar aqui uma ou duas exceções: sim, poderei elogiar raros falecidos antipáticos. Será que Habermas fez algo nessa direção, enquanto “anti-homenagem”?

Pois bem, sei que muitos colegas brasileiros teriam mais o que dizer sobre Tugendhat – e penso em Prof. Ernildo Stein e em Prof. Adriano Naves de Brito, por exemplo. E uns quatro de Santa Maria. Mas é claro que outros ainda levarão muito tempo para formatar um lamento em tese ou ensaio.

Ora, eu já devo ter algumas anotações prontas sobre o ilustre mestre, recém falecido. E vou recortar e colar aqui, sem maiores preocupações com a ordem. Depois completo o texto. Mas antes, devo apresentar credenciais, tipo o que eu tive a ver com o filósofo Tugendhat.

Em 1991 e 92, durante os créditos do doutorado, nosso professor Ernildo estava empolgado e lia tudo de Tugendhat – não duvidem – no âmbito de um projeto sobre “Linguagem e fundamentação”, do qual me afastei em seguida. Ora, nesse período, além dos seminários de longa duração, foi organizado um evento na Federal de Santa Maria, com a colaboração de nossos colegas de lá, os professores Rónai Pires, Christian Hamm, Robson Ramos e, talvez também Ricardo Bins de Napoli. Imaginávamos o que poderia passar pela cabeça dos alunos de engenharia ao lerem o singelo cartaz com a programação restrita: “Colóquio Tugendhat”. Caso algum tenha ido ao dicionário, não errou nada: o nome do filósofo contém “virtude”.

Não sei o que o próprio Ernesto teria pensado com essa fama toda, até se tornar objeto de um evento, mas fato é que alguns anos depois, em Goiânia, ele perguntou aos que o rodeavam: “mas o que está acontecendo no Brasil, quando todo mundo me quer em seu departamento?” Pior, como diz o goiano, é que eu era chefe de departamento em Uberlândia e levava mais um convite para que fosse nosso professor visitante.

Na verdade, Prof. Adriano Naves sacou mais rápido e conseguiu levar nosso homenageado para o programa de mestrado deles na UFG. E vejam que não só de teorias e celeumas acadêmicas viriam as motivações que facilitaram aquele contrato provisório. Os trechos a, b e  c a seguir já estavam prontos em minha gaveta de memórias e aforismos em processo de maturação.  Vamos lá, antes que a traça...

Ernst Tugendhat (1930-2023)
Filosofia é como aprender a dançar. 


a) “Filosofia e dança. Ensinar a filosofar é como ensinar dança. Na verdade, mostra-se como dançar, na dança. O filósofo alemão Tugendhat, nascido tcheco, Ernst, inicia assim um livro que foi em parte traduzido por Stein e alguns alunos, inclusive por mim. Ao conhecer Tugendhat em Goiânia, 1996, onde ele havia sido muito bem recebido, pude compreender e curtir melhor a definição. É que ele gostava de sair à noite, para dançar valsas e merengues com as morenas goianas, conforme contavam colegas nossos. O alemão sabia do que estava falando, tinha muito bem capacidade de comparar duas atividades ou, pelo menos, a maneira parelha de passá-las adiante. Mas é claro que não avança muito em filosofia aquele que entra no curso errado. São dois pra lá, dois pra cá”.

 

Meus filhos-crianças curtiam essa capa.
Pra mim, lembra Leibniz.

b) “Livrinho, não! Talvez o autor disso aqui [uma sequência de aforismos com vontade de ir para a gráfica] possa repetir sobre isso que se segue a frase do filósofo Tugendhat referente a uma publicação dele. Não se sabe aqui, ainda, a quantas páginas chegará esta brincadeira, se Deus lhe der vida e saúde mais engenho e arte. Então, falemos do Ernesto, o tcheco. Isso se deu em 2002 – conforme data na dedicatória –, no lançamento do livro de título estranho, Não somos de arame rígido (é que sempre cuido pra não dizer arame farpado). O editor da Ulbra, de Canoas, apresentou a obra, organizada pelo Prof. Valério Rohden, como um “livrinho”. O baixinho franziu as pestanas grisalhas, esperou uma pausa e sapecou: ‘Livrinho, não! É minha obra mais importante. Podem jogar o resto fora, mas não esta aqui...’ De fato, é um texto corajoso e denso. E não interessa a espessura do caderno ou se é grampeado com arame, hardwired.” [Ernesto, o Virtuoso, estava predestinado a essa disciplina. E incluiu a “sorte” como fundamento de sua ética, que traz a estóica fórmula: o sentido da vida é administrar as frustrações. Como bem disseram os poetas Aldir Blanc e Sílvio da Silva, na voz do quarteto MPB4 , “dei mais sorte com a B., atriz”.]


LIVRINHO NÃO!

(P.S.: Ok, eu sei que "TugendhaFt', virtuoso, 
contém uma letra F, etc. etc. Passe 
adiante and keep smiling)


 

c) “Compulsão à escrita. Tugendhat apresentava sua conferência no Goethe Institut. A seu lado, para coordenar o debate que se seguiria, Ernildo Stein tomava notas com caneta sobre folhas soltas de papel sulfite. Depois daquela boa meia hora de ética e ontologia, Stein reuniu as folhas com algum ruído e ajuntou-as com um clip. Tugendhat olhou o parceiro de lado, por baixo daquela espessa sobrancelha já meio grisalha. Comparou com seu próprio texto, que acabara de ler e sapecou com seu sotaque arrastado: “Mas vejo que você escreveu bem mais que eu...




AJUDEI A TRADUZIR ESTE. 
O lance de aprender a dançar
está aí, nas primeiras página
s . 


Nenhum comentário: