quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Aristóteles: não é Homero autor de mentiras bem contadas?

Ou: Aristóteles não é o mero autor de fantasias bem organizadas?

Uns se perguntam sobre a autoria de Odisséia. Teria sido um cara, com CPF e tudo - ou uma equipe de ghostwriters a reunir fábulas como fizeram na Alemanha moderna os irmãos Grimm?

Outros questionam se Aristóteles teria escrito um certo tratado.

E não adianta levar para o tira-teima do intervalo, pois uma cabeça de mármore ou duas não prova(m) nada; os gregos tinham um molde, uma fôrma e uma forma de representar sábio barbudo com mais de quarenta.

Essa do mar Egeu não é minha praia e posso, enfim, ser uma dupla invenção: talvez o signatário deste pouco acessado blog seja só um nome vazio, um perfil forjado de orkut. E talvez ainda as obras que anuncia sejam apócrifas.

Que bela inversão pra Marx nenhum botar defeito! Lemos obras de autores inexistentes e negamos reconhecimento a obras impressas ontem de autores que estão aí prontos para a réplica da resenha desaforada. Alive and kicking.

Talvez seja o caso deste blog e seu autor, como na combinação recessiva que Bernard Shaw teria temido, caso juntassem seu material genético com um óvulo da gostosa de entonces: a cria poderia ser feia feito ele e besta que nem a moça de ancas largas (e não bela como ela e inteligente que nem ele) - neste caso, o autor do blog é ficto e o seu livro, não-escrito.
Pois bem. Passado esse instante niilista com consequencias para herdeiros de copyrights, voltemos ao ponto:
um pouco antes deste locutor que para vós digita, um certo Aristóteles poderia ter sido antes o Filósofo do Cerrado. E, em um mundo possível que Nelson Goodman vai nomear, há uma série de filósofos que recriam e comentam as compilações de um pseudo-Arisóteles, etc.

Claro que só com quatro compadres não dava jogo, mas a coisa poderia ter crescido também de repente com a chegada de um padre gordo e bonachão, de nome Tomás.

Encerra-se essa peleja com uma pergunta, à guisa de oráculo e movida por certa inveja: Quem não queria ser chamado de "Aristotélico onívoro"? Aquele verdadeiro, o macedônio. Seria um elogio e uma boa dieta.


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

De como um árabe levou os escritos de Aristóteles

Neste "Sertão da Farinha Podre" muitos mascates vinham com suas malas e bruacas. E também circulavam os retratistas, que volta e meia levavam um retratinho para ampliar. Pode ter sido um mascate chamado Xixi Piriá, que veio da Vila dos Confins ou fugia de algum arranca-rabo no Chapadão do Mário Palmério.
O fato é que as anotações de Seu Aristote sumiram. Talvez negociadas ou levadas por engano naquelas malas amarelas, de papelão, que a fumaça da Mogiana chamuscava. Os árabes - às vezes chamados simplesmente turcos - ficaram certamente com os escritos do moleiro, que ninguém classificava como tal. Era só o homem do moinho, que moía grãos e vivia disso, do que rendia, na troca.

Com o passar do tempo (cf. Wim Wenders: Im Lauf der Zeit), o porto, ou seja, a velha estação de jardineiras virou biblioteca. Mas nem ali, tão perto, pode ser encontrado qualquer manuscrito empoeirado de fubá.

As investigações ficam difíceis hoje porque muito tempo tempo é perdido, navegando-se. Aparece até uma dupla de Uberaba cantando "A mala amarela". Confiram no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=RyupMLWFMkI

Qual é a conexão?

 Sucede que aquelas malas de papelão, muito comuns antes do plástico, eram chamadas simplesmente "malas de Uberaba", terra do Mário Palmério e, portanto, do mascate citado, árabe por suposto. A obra ficou perdida durante muito tempo em alguma mala, até que no de algum sarraceno...

Uma pista interessante veio por acaso, pra variar. Claro, um ouvido curioso notou aquela palavra ... Ao comer da broa e lembrar do colega Aristote, o Velho comenta que o moleiro era muito jeitoso e trabalhava em troca da maquia. Maquia? Antenas ligadas e respondem os neurônios: não tem registro, não tem registro... Maquia, confirma a patroa. Narrador pasmo. Como pôde conviver mais de meio século com eles e nunca ouvir tal palavra? Aprendeu a falar com eles, é verdade, mas jamais empregou "maquia". E explicaram que eram uma parte, o lucro do moleiro.

Hora de chamar o Aurélio, o Laudelino e o Houaiss (cuidado, pois não é "dicionário dos uais", hein...). E deu nisso: confirmado até pelos mythbusters! Confiram:

porção retirada por moleiros e lagareiros da farinha ou azeite que fabricam para outrem, como remuneração por seu trabalho

Então era isso, que devia encabular Aristóteles, mas garantia seu lucro: uma quarta de milho rende mais de uma quarta de fubá! E o que excede e fica para o dono do moinho é justamente a "maquia".

Mas, ainda uma vez: so what? E daí? O termo vem do àrabe e está na língua portuguesa pelo menos há cinco séculos. Tem cabimento, pois a família do Véiolavo está nas paradas ibéricas desde o século XV. E esse assunto vai longe, mas o texto não. Antes que o narrador seja chamado de o mala, talvez sem alça.



Seu Aristóte moía tudo

Pra quem pegou o bonde andando: não se trata aqui de defender que um sujeito qualquer é ou pode ser filósofo. O caboclo tem que ter a manha; não basta, de um estalo, sair com uma frase de efeito. Mas, eis como se segue esta papeata. Vocês ponham sentido!

O velho Olavo, que já é chamado de Véio Olavo faz mais de trinta anos, deu palpite de comer broa. E ganhou, quentinha, fumegante. No descuido da patroa, ainda besuntou umas tantas com manteiga de leite Cabeça de Touro. Café quente, de bule, que igualmente elogiou - fazendo a média de sempre com as cozinheiras.

E aí lembrou - pois velho gosta mesmo é de lembrar do fubá daqueles tempos. O fubá da broa. De onde vinha antes o fubá de milho ou de canjica, mais fino ainda?

Do moinho? Não. A rigor, da mó. Gozado que tivéssemos contato antes com o diminutivo, que soava como "munho", associado à munha e a munheca. Criança via primeiro o moinho de café. Um desses, da marca Mimoso, por exemplo:
Assim que tinha força e cuidado, um menino podia moer o café. Aquele cheirinho bom anunciando o gosto.
Só mais tarde, mais crescido e cheio de tarefas, um moleque ia levar recados, fazer mandaletes pra vizinhas entrevadas e muquiranas, podia buscar farelo de arroz para o cavalo ou levar milho para fazer fubá. Ficava na Rua do Contorno, perto da rodoviária velha. E perto do Véio Américo, também chamado vovô. Ouvia-se um barulho arrastado. Uma poeira fina cobria o cômodo. Mas não dava pra ver a pedra de moer, grau normal:


Seu Aristote era o dono do moinho. E não é o caso de atribuir a corruptela ao suposto linguajar matuto. Há por aí um livro de filosofia para crianças que ostenta o muito feliz título "Ari dos Teles" - um menino muito esperto e curioso chamado Ari, da família Teles. Pois ali na cidade havia uma família italiana Storti. Talvez o Véiolavo misturasse os dois. Mas em francês, é correto dizer Aristote, não?

Aristóteless era bom no que fazia: moía, separava, ajuntava. E enquanto girava a roda de pedra, pensava. E como tinha tempo pra pensar! Era estrangeiro e não perdia muito tempo proseando no Bar Glória ou falando de política no bistrô Boa Prosa. Dialogar não era seu forte. Iam rirr de sua sotaque.

Todavia, por morar perto da estação, ficava sabendo de coisas com viajantes, que também traziam-lhe notícias e almanaques de outros lugares. Sobretudo o Xandão, um rapaz briguento mas inteligente, filho de um tal Felipe. Aristóteles moía e separava, peneirava e guardava coisas em latas e caixinhas. E evitava conversa com um filhinho de papai, folgado, dos ombros largos - esse, sim, "amolava" muita gente com seu esnobismo. (Viram a mó de novo aí?)

Na falta de serviço, movimento fraco, Aristóteles ficava matutando. Resolveu juntar o "é" do compadre Dindico, o "mundo" do tio Tuca, os conselhos do mascate sobre paixões na vida, fetiches. E foi desenvolvendo aquilo tudo. Por exemplo, seu mundo não podia ter só quatro elementos, já que as estrelas tem cinco pontas. E um dia ao passar pela porta da casa de saúde, na mesma rua, ou da farmácia do Omar,  teve uma iluminação: o éter seria o quinto elemento. E pode ser que, de repente, ele cheirou sem querer um lança-perfume ao passar perto do clube. Tanto faz, para a arquitetura harmoniosa do cosmos. Seu burro indiano tambem era assim: quatro patas mais um chifre - um só, pois a matéria prima não sobrava, etc.

Assim, chegamos ao fim dessa fase da compilação: Seu Aristóteles, que ninguém chamava de moleiro, reuniu muitas frases e ideias, com muita categoria, certamente. Ele talvez fosse grego, como eram italianos os Stortis. E dizem que no fim da vida, ou antes um pouco, voltou para seu lugar de origem - ma chácara também, talvez maior que aquela da Rua do Contorno. Ninguém entendeu bem, mas um dia ele falou "Estagira" no meio de uma conversa com o ferreiro Zé Faz-Tudo. Inventaram engrenagens para aumentar a potência do moinho. Ajustavam e untavam, quando a conversa misturou. Onde o Sr. nasceu? Esta roda travou mas... esta outra...( Estagira ). Passou batido, caiu no vazio, ao qual a natureza tem horror.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Aristóteles vem vindo aí: mó sacada

Pessoal, para comemorar nesta data, o número de 500 visitantes neste blog, sugiro umas broas com cafezinho quente de bule. E garanto-lhes: isso terá muito a ver com a chegada de Aristóteles nessa nossa conversa sofisticada e fiada. Vou ali e volto já. See you later, alligator.

Metafísica, cosmologia e ética (recapitulação)

Compadre Dindico, por subtração, chegou não ao nada, mas ao Ser do seu "é" - que fica, portanto, um degrau antes. Se seu infeliz AVC tivesse sido ainda mais grave, teria deixado bamba a outra perna e a metafísica  teria ido para o beleléu. Não adiantaria soltar os cachorros e nem desperdiçar munição. Teria sido, então - o que, galera hip-hoper, é a tradução do "já é" em modo subjuntivo, tipo assim futuro contingente do pretérito condicional, mano.

Tio Tuca faz um jóinha para o fotógrafo que bateu a tchapa acima e não concorda com o desabafo do compadre Olavo, que, citanto talvez Tião Carreiro, considera o mundo véio perdido. Tuca já não queria mais endireitar o mundo e sim rever esse conceito: o mundo continua tal e qual; o povo é que está mudado, a rapaziada muito mal-inclinada e os meninos respondões, casca-grossa, arreados pelo rabo. O mundo, véio, não tá perdido. O que você acha? Cante lá que eu canto cá.
Por falar em perdição, está fresquinha na memória ram deste blog essa pérola de opinião construída na luta, no gozo e na gozação: o homem tem que se perder em alguma coisa! Aqui, "perdição" não é a condenação, como no romance do ceguinho de feira lisboeta, o Camilo de Castelo Branco. Não, não vamos por a caçada no mato; aqui, o conselho do vendedor de música vale como princípio ao mesmo tempo ético e estético, tipo "auto-ilusão consentida". Diferença básica é que ao contrário da primeira fase de Freud, o jovem cientista calouro e meio babaca, a ilusão tem, sim, futuro e sentido. Temos que nos iludir com alguma coisa nessa vida, mas há de ser uma de cada vez. Una a la vez. Uma paixão se cura com outra. Secura? Com outra, recomeçaria tudo outra vez, como canta Gonzaguinha, criado pelo Gonzagão da sanfona, imortalizado na história da música e em museu de Caruaru, pertinho do museu da xilogravura de Cordel, onde reina o J. Borges. Aliás, por falar em ilusão, o que é um blog senão ilusão e perder... tempo - de ler e de escrever. Temos todo o tempo do mundo.