sábado, 20 de agosto de 2011

ALÉM DO DEDO E AQUÉM DA LUA


"Quando o sábio aponta para as estrelas, o idiota olha para o dedo."

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Muita gente gosta de provérbios chineses e dizem que este é um. Há variações, com lua, em vez de estrelas. Uma lua, várias estrelas. Se o sábio estiver com a mão trêmula de Alzheimer, fica-lhe mais fácil apontar estrelas plurais e inespecíficas.
Quem quiser conferir, veja isto: 当圣人指向星星,傻看着手指
Mas desconfiem, pois foi traduzido por máquina. Máquina made in China, talvez.
Quem são os sábios chineses hoje em dia? Os novos capitalistas esnobes? Tanto faz. Deixa pra lá.
Grande parte da correta atividade filosófica é re-enunciar frases equivocadas e que “conduzem sistematicamente ao erro”.
R. Ardigó
Mas, se "Quando o sábio aponta para as estrelas, o idiota olha para o dedo", cabe indagar: qual dedo? O seu dedo de tolo ou o dedo do sábio apontador de astros?

Cuidado! Dois sábios aqui: Platão e Sócrates
Por exemplo (exemplo de correção do dito): Você passa pela esquina dos Bombeiros e, enquanto o sinal não abre verde, comenta que “este prédio aqui na outra esquina caiu durante a construção”. Foi mesmo. Há vinte anos. Mas não este prédio. Aqueles escombros foram removidos e ergueram outro predinho, o atual, que não caiu (ainda).

Esse redizer, que caracteriza certa filosofia recente, implica em algum desdizer-se: nem tudo que parece filosoficamente profundo é relevante (e a profundidade é geralmente uma besteira – uma falsa expectativa criada nos outsiders). Precisamos mesmo destas tópicas para baixo e para cima? Fundo, relevo.
Poderíamos muito bem inverter o provérbio oriental para: “Quando o tolo olha o próprio dedo, o candidato a sábio procura a lua” (ou “prefere ver estrelas”).

Melhor ainda, em respeito às origens britânicas de certa filosofia analítica, seria contrapor o homem comum ao filósofo profissional cheio de cacoetes metafísicos, em vez dessa falta de elegância ao chamar de tolo o interlocutor, o não-filósofo. Ora, em Oxford e Cambridge, o homem comum – que sabe usar a gramática corrente -leva vantagem sobre o erudito viciado em generalizações abstrativas ou coisa parecida.

O tolo do provérbio chinês erra ao ficar aquém. O sábio-tolo de nossa paródia engana-se buscando algo no além, lá longe, fora das regras da conversa. 
Detalhe de pintura de Bosch

Não se trata de buscar meio termo, tipo: vamos nos contentar em olhar a janela, nel mezzo del camin.

Ninguém escapa dos equívocos, armadilhas da conversa. Mas alguns procuram refrasear ou parafrasear expressões infelizes e comprometidas com entidades esquisitas.

"Selbstgebaut"

Um aluno que foi do cerrado à capital parece ter errado a direção da referência. Conversa difícil com orientador de tese. Aceita um café? Vou preparar. Adoçante ou açúcar? Doutor disse que tomaria seu café puro, amargo, por razões estéticas. O doutorando voltou invocado em tamanha revelação: razões estéticas! Estética!O gosto, Geschmack.

De repente o Doutor Filósofo, que apontaria o oriente ao novato, estava na boa companhia de Wittgenstein que também associou estética e café, o sabor da bebida: gostei, nao gostei. (Assim como deveria a estética caber na alfaiataria: o terno serviu, não serviu, caiu bem, não caiu, manga curta, etc.)

Nada disso! O doutor da capital tomava seu café sem açúcar, para não engordar... Tratava-se da estética no sentido mais imedidato dos salões de beleza! O mestre queria manter sua barriga de tanquinho (ou “construir” uma, conforme retórica atual de revistas de dieta).
O orientando não ficou desnorteado. Shane, go west!
Arriba, muchachos!
Quase sempre é assim: quando não passa, falta. Mas, se depender deste blog, a filosofia não morrerá à míngua neste árido cerrado de agosto, pois aqui essa coisa toda da prosa atravessada não passa falta. And that’s the way we do things with words. Thanks.



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Fontes das imagens: exceto o café, as imagens - recortadas ou não - foram fotografadas dos livros: Enzyklopädie der Philosophie (Augsburg, Weltbild Verlag, 1992) e Diálogo com o visível, de René Huyghe (Livraria Bertrand, 1955)