Ideologia não é o cisco em meu olho, mas... (sorry, Louis - que não curtiria metáforas bíblicas) |
Em 1983, ouvi um
argumento animador: quando a verdadeira revolução
anticapitalista triunfar, vamos nos livrar não só da exploração do trabalho,
mas do trabalho, curto e grosso. E, what is more, vamos também ser dispensados
de ler Marx, pois “lire le capital” dá muito trabalho; é cansativo (e vamos
preferir pescar de dia e ir à ópera de noite).
Durante campanha à
prefeitura, há uns doze anos, vi em Uberlândia uma boa ilustração de outro ponto
de nossa doutrina (no parágrafo anterior, trata-se de utopia das boas): é
sempre a direita que aparece volta e meia para negar a ideologia – os seis
candidatos se distribuíram três de cada lado, em debate sobre segurança pública: esquerda - direita.
Aqui cabe um traço,
para separar premissas e conclusão, pouco antes do “logo” ou do “ergo”.
Nestes meados de 2016 –
um inferno nas Américas, entre impostores aqui e postulantes fascistas lá – dá uma
preguiça ter que voltar pela pinguela ensebada das baboseiras dos golpistas.
Eles, os inimigos no poder, aprontam os recuos sociais e econômicos. E nós, cidadãos
e intelectuais de brio, temos que voltar... a ler nossos clássicos, nossos
mestres à penser.
Semana passada, o
interino Michel disse que ideologia é coisa do PT, ou seja, resquício
equivocado, superado. Na mesma semana, o PTB, com T de trabalho, veio à TV
negar o caráter classista das relações trabalhistas. Sem nem apelar para a
múmia ambígua de Getúlio Vargas, pregam que não há luta de classes. Nem
furacão, nem vulcão. Eles, os golpistas, enrolam o rabo e sentam em cima. Nem
admitem que o liberalismo e o pragmatismo sejam ideologia.
Não vou perder nosso
tempo com leguleios. Não leio, mas li que Daniel Bell errou: o fim das
ideologias não emplacou. E o fim da história, by Fukuyama, durou pouco.
Depois do fim, dá
preguiça ter que voltar a ler, por exemplo, Louis Althussser. Mas reli o famoso
e útil livrinho azul, com títulos vermelhos: Ideologia e aparelhos ideológicos
de Estado, que são um programa de curso em notas escritas entre janeiro e abril
de 1969.
Destaco a passagem que
cai como carapuça na cabeça indevidamente coroada desse Michel, ex-chefe de
polícia:
“O que se passa de
facto na ideologia parece portanto passar-se fora dela. É por isso que aqueles
que estão na ideologia se julgam por definição fora dela: um dos efeitos da
ideologia é a denegação prática do
carácter ideológico da ideologia, pela ideologia: a ideologia nunca diz ‘sou
ideológica’”. (3ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 1980, pág. 101)
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