sexta-feira, 8 de junho de 2012

PALMAS PARA O CABRA QUE PLANTOU PALMAS PARA AS CABRAS!


Nota de viagem, à guisa de epígrafe:
Enigma aquático. Depois de séculos de seca, DNOCS e indústria da seca, não dá pra entender o “problema” atual da Paraíba, onde dizem os governantes que não sabem o que fazer com a água desviada do rio São Francisco. É mole? Lula enfrentou o escambal de bico e o bispo equivocado em greve de fome contra a transposição (porque não uma greve de sede, reverendo?) e agora não tem balde e nem pote para agá dois ó? Sério. Debate realizado ontem na UFPB, com políticos gordos, técnicos e repórter disléxico. (FC, João Pessoa, abril de 2011)

Rio São Francisco entre Juazeiro e Petrolina
(foto FC)

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Uma semana do meio ambiente em meio a uma longa seca no Nordeste brasileiro. Um editorial do jornal Folha de São Paulo, edição de hoje, cobrando a conclusão das novas obras contra a seca. Um programa Globo Rural, no domingo passado, sobre como tratar de cabritos e vacas. E minhas impressões de viajante pelo nordeste.
Mas antes, um acerto de mapas, sobre meu sotaque e minha dieta: do ponto de vista dos gaúchos, sou nordestino. Assumo isso, pois nasci acima de São Paulo, fora da região Sul maravilha, sou mestiço, etc. E vi meus tios, fazendeirinhos mineirors, que tentavam levantar vacas magras pelo sovaco. Estavam com tonteira. E o silo? Cadê o silo, primo?
Que tipo de animal vivia na caatinga, antes da colonização? Quem trouxe vacas da Índia ou da Holanda para criar onde viviam mocós e lagartos? Deviam também fornecer-lhes comida adequada. E deviam reservar água para os animais e pessoas. E não podem mesmo criar qualquer bicho em qualquer lugar. Deu no que deu.
Pobre cachorra! Aqueles ermos não eram lugar pra criar Baleia.

Hoje, na falta de religião, cabe à ética cobrar respeito pelos animais não-humanos. Quem sãos responsáveis por eles? Pois é triste ver cabritos na rodovia e jegues abandonados em tempos de motocicleta. E os donos dos canaviais  ferem a ética dos animais humanos, agora, quando vendem cana para os criadores de vacas magras. Sim,  os usineiros estão cobrando mais caro pela cana, para ganhar mais do que com açúcar ou álcool. (Tive que voltar a cena para entender; pensei que tivesse ouvido errado. Uns sacanas.)
Diante de carcaças de vacas, mortas de fome e sede, como nas ilustrações a nanquim do livro Vidas secas, um criador de gado olha para cima e diz que Deus é sócio dele. Baita sacanagem com o Criador, que tem mais o que fazer – e já fez.


Outro diz que não sabe o que é assistência técnica, mas olha para cima também à espera de favores de “alguém lá em cima”, nesse caso algum coronel, deputado ou prefeito da indústria da seca. Cascata. O vizinho dele cria 30 cabras em dois hectares, vive disso. E os animais, felizes, comem da palma que o dono plantou e corta para eles no cocho. Ah! Tem que plantar? E cortar... com um pouco de milho. E guardar água da chuva na cisterna, que uma ONG constrói, etc.
Palmas para o cabra que plantou palmas para as cabras!
Parabéns para quem faz a coisa certa.
E os outros? Os que não dão trato digno a seus animais? Eles é que tratem de se aviar, de avexar, pois sua desculpa não cola. Eles tem culpa no cartório e vão se haver com Padim Ciço e Lampião, que não tolerava crueldade com as criações e nem desaforo de criatura.
Gente pobre que vinha para as vinhas da ira:
péssima mistura de seca e exploração capitalista,
também acima do Equador.

Pois a verdade é que o Padre Cícero já fazia sua pregação ecologicamente correta, antes que houvesse tal palavra! Pois respeito e inteligência não são invenções novas. Cem anos antes da Rio+20, Padre Cícero já cuidava de ensinar o sertanejo a cuidar desse mundo de meu Deus.

Monumento a Padre Cícero, na cidade Juazeiro do Norte, Ceará.
Em primeiro plano, a árvore juazeiro.

PRECEITOS ECOLÓGICOS DE PADRE CÍCERO

1.      - Não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau.

2.      - Não toque fogo no roçado nem na caatinga.

3.      - Não cace mais e deixe os bichos viverem.

4.      - Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer.

5.      - Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza.

6.      - Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água de chuva. Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta.

7.      Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta.

8.      - Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só.

9.      - Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca.

10.  Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá o que comer. Mas se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um deserto só.
http://www.padrecicero.net/p/preceitos-ecologicos.html
Preceitos inscritos em muro que contorna um grande juazeiro,
no Santuário de Padre Cícero, no Ceará.
(foto FC)

Nota de viagem, 2011, à moda de epílogo:
Velas a queimar e fitas coloridas que amarrei em volta do maior Padim Ciço do mundo, na colina dos ex-votos e da nova e enorme igreja de concreto inacabada. Romeiros escrevem em volta do padre, uns até sobem nos ombros dos outros, mas não mais nos botões da batina, que foram chanfrados com cimento. A maior concentração de fitas está no cabo do para-raios, o que é muito oportuno, pela coisa toda da energia, a verticalidade da graça, como diria algum antropólogo pós-moderno mais generoso em sua descrição dos costumes, sem acertar o ponto em que a contradição sagrado/profano é superada pelo mistério, pelo ad-mirável. (...) Pois seria necessário entender o que move o  humilde sofredor que vem de longe pedir e agradecer. E quem não tem que? O padre-político casca-grossa, conselheiro e pregador, dispôs-se a ser um mediador na interminável comunicação entre viventes e desencarnados e santos e, acima de todos, Ele, o Santo dos Santos – que não careceu de canonização em Roma. Pois sempre há que se dizer, cada um como queira: abaixo de Deus é, por exemplo, Cícero Rumão Baptista (1844-1934), católico, republicano, bom de briga, do tipo de Augusto Matraga, que dizia “vou para o céu, mas nem que seja no porrete!”



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