domingo, 25 de junho de 2023

"NÃO MACHUQUEM AS MULHERES, OH SENHORES!"

 

Sete poemas de Nazim Hikmet

 


Fonte: Yeni Siirler / Novos poemas (1951-1959), volume 6. Istambul, Editora Adam Yayinlari, 1987, 184 páginas.

 

Nazim Hikmet (1901-1963): poeta turco, que pertenceu ao Partido Comunista da Turquia, viveu alguns anos na Rússia e passou por outros países da URSS – foi membro importante da vanguarda europeia, contracenando com Maiakóvski e outros poetas militantes.

 

Livro de sebo. Estes poemas foram traduzidos por mero deleite com mel de tâmaras e ainda no entusiasmo das descobertas, faz algum tempo. Contei com a colaboração do compadre Google Tradutor, mas tive uma tarefa considerável para compreender os poemas – ou torná-los legíveis em português – bem como manter a métrica e as rimas, quando era o caso. Nem todas as referências de nomes e lugares foram recuperadas, também devido às diferentes transcrições de chinês para o turco e, daí, para nossa língua portuguesa do Brasil. É um esforço inicial de tradução; não um estudo e nem uma tese sobre teoria da tradução. Eu já havia vencido a resistência quanto ao uso de máquina, após traduzir com sucesso Hobbes desde o latim, para cotejar com inglês.

 



1 – Zhichun Ting

 [Çi-Çun-Tin, página 15]

 

 

Zhichun Ting, a mansão paradisíaca no lago Kunming.

A cruel Cixi vem pálida olhar daqui a primavera.

Eu também olhei. Sandálias passavam entre lírios:

E cantavam “Amanhecer no Leste”.

 

Navio de Pedra

Há um navio em Kunming, casco feito de pedra,

Velas cheias de vento da China

Uma que não se move

Uma que cai na tristeza.

 

Sobre a escultura

Em Wan Shenzen, mármore, olmo e marfim

Nas mãos heroicas de mestres da seda

Eu vi: esse texto é a síntese da delicadeza

Beldades de Pequim em roupas azuis de trabalho.

 

1.10.52 e o bolchevique Ivan

Pessoas brilhantes fluíam da Praça Tiananmen.

As mais áridas terras são fertilizadas por esse rio.

Assisti as festividades ao lado do Sun Yat-Sem.

Primeiro mártir do Palácio de Inverno bolchevique Ivan.

 

(Pequim, 1952)

[NT: Zhichun Ting ou Pavilhão Zhichun é uma edificação na margem oriental do lago Kunming, dentro do complexo Palácio de Verão. Cixi ou Si-Si foi a imperatriz que em 1888 desviou dinheiro para construir obras suntuosas como o Barco de Pedra – Shifang – de 36 metros, em mármore, para repor um barco de madeira queimado 28 anos antes.]

 

 

2 - Noite

[Aksam, página 35]

 

Assim como nas planícies da Anatólia,

O ar é azul

Poeira rosa

Luz roxa,

É noite na planície húngara.

As árvores são familiares como as árvores de nossa planície,

Ao pé das árvores no frescor do entardecer suado, quente

O solo parece um capuz de soldado.

O solo parece um capuz de soldado, dessa cor,

Tão infinito, vasto

Assim como nas planícies da Anatólia

É noite na planície húngara.

As estrelas estão pousando nos galhos

Entre folhas

Junto com os pássaros,

As árvores são familiares àquelas de nossa planície.

As semelhanças param aqui.

É noite, é terra, é uma árvore.

Em nossa planícies as crianças estão famintas

Noivas de vinte anos de idade.

Em nossas planícies, os bois têm um palmo de comprimento.

Nossas planícies não planícies húngaras.

 

(30 de março 1954)

[NT: Aksam, título original, tem uma cedilha no “S” e soa como “aksham”.]

 

 

3 - Mensagem

[Mesaj, páginas 44-45]

 

Pacientes,

Meus irmãos, vocês vão melhorar.

 

Dores e males diminuirão.

Conforto, aquecer

entre galhos pesados e verdes

como noite suave de verão.

 

Pacientes, meus irmãos,

Um pouco mais de calma, de teimosia.

É a vida esperando

Atrás da porta,

E não a morte fria.

O mundo atrás da porta,

O mundo está lá cantando.

Você se levantará de sua cama,

Irá embora.

Você descobrirá de novo o sabor

Do sal, do pão, do sol lá fora.

Amarelar como um limão, derreter, igual cera

Cair de repente feito um plátano oco.

Meus irmãos, pacientes,  

Não somos limões, nem velas, nem plátanos.

Somos humanos, graças a Deus,

Graças a Deus, sabemos juntar esperança

A nossos remédios.

“Preciso viver!”

Diga

De pé insista

Pacientes,

Meus irmãos,

Vamos ficar bem.

Dores e males, diminuirão,

Conforto, aquecer

Entre galhos pesados e verdes

Como noite suave de verão.

 

(Frantisko, Lanzi – 30.6.1954)

[NT: Frantiskov Lazne, República Tcheca, na região dos balneários Karlovy Vary, mas as datas em fontes biográficas dão o ano 1958, quando o poeta Hikmet teria passado por aquelas águas medicinais. Por exemplo, em <karlovarsky denik.cz>]

 

4- Não deixem que nuvens matem gente

[Bulutlar adam öldürmesin, página 54]

 

De homens fazem elas os humanos que são.

Uma delas não te pariu entre dores?

Mães são uma luz adiante na escuridão.

Não machuquem as mulheres, oh senhores!

-Não deixem que nuvens matem gente.

 

Um menino de seis anos corre bem cedo,

Sua pipa está voando sobre o arvoredo.

Você já brincou assim livre sem medo.

Não maltratem as crianças, senhores!

-Não deixem que nuvens matem gente.

 

As noivas que penteiam seus cabelos

Procuram alguém no fundo do espelho.

Claro, muitas noivaram com esses velhos.

Não ofendam as moças, meus senhores!

-Não deixem que nuvens matem gente.

 

Na velhice, só as boas recordações

Devem nos fazer suspirar saudosos.

Que vergonha: não magoar os anciões.

Senhores, vocês também são idosos!

-Não deixem que nuvens matem gente.

 

(Fevereiro – 1955)

[NT: Duas bombas de extermínio foram lançadas pelos norte-americanos sobre o Japão em agosto de 1945; os russos fizeram testes em 1949 e 1955...]

 

5 - Independência

(Istiklal, páginas 85-86)

 

Eu conheço esses navios de guerra, exércitos

Eles também desembarcaram soldados

Em minha terra à noite.

Eles tinham sede do meu sangue.

Queriam roubar a luz dos meus olhos,

A habilidade de minhas mãos.

Nós derrubamos eles no mar.

Foi no não de 1922...

Meu irmão egípcio:

Nossas canções são irmãs,

Nossos nomes são irmãos,

Também se irmanam nossos cansaços.

O que há de belo, grandioso, vivo

Em minha cidade: pessoas, ruas, plátanos

Eles estão com você em sua guerra.

Em minhas aldeias, a “Palavra Antiga”*

É lida no idioma local, para Sua vitória.

Meu irmão egípcio, eu sei, eu sei,

Independência não é um ônibus;

Você perdeu um, precisa pegar outro.

A independência é como nossa amante:

Você traiu uma vez,

Vai ser difícil voltar de novo.

Meu irmão egípcio,

Seu sangue misturado

com as águas do canal.

A terra natal de uma pessoa

Torna-se a sua casa mais uma vez

À medida que seu sangue se mistura com seu sangue

Se mistura com seu solo e

Sua água.

Aquele que não sabe

Morrer pela pátria

Nem sequer está vivo.

 

1956, Kasim

[NT: Novembro 1956 – a crise do Canal de Suez começara em 29 de outubro, quando Israel, apoiado por França e Reino Unido, declarou guerra ao Egito. Nasser, que havia nacionalizado o canal, saiu vitorioso, uma semana depois. / *outro nome para o Alcorão.]

 

 

6 - “Sofra”

(Sofra, página 113)

 

Fiquei louco naquela cidade,

Varna me jogou no divã, verdade.

Na mesa tomate, pimenta,

Linguado frito.

“Ó criados!” diz o rádio. Brisa do mar negro, bonito.

Leite de leoa no copo de raki:

Acorde, anis!

Minha língua falada fraterna e feliz...

Um bem, melhor, bem feito...

Essa Varna me enlouqueceu

Louco de divã, eu...

 

(6 de junho 1957, Varna)

 

[* “Sofra”, em turco é “mesa”, mas preferimos deixar o título no original, pela coincidência com tema clássico da poesia – sofrer, nem que seja depois, saudades. Varna é cidade da Bulgária, banhada pelo Mar Negro, “Karadeniz”.]

 

7 - Homem otimista

(iyimser adam, página 178)

 

Quando criança não cortava as asas das moscas

Não amarrou no rabo dos gatos latinhas

Não prendeu baratas em caixas de fósforo

Não perturbou pobres formiguinhas

Ele cresceu

E fizeram tudo isso com ele

Eu estou a seu lado quando você morre

Um poema leia, disse

No sol no mar

Com caldeiras atômicas nas luas

Para a glória da humanidade

 

(Baku, 6 de abril, 1958)

 

 

 

 

 

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