domingo, 15 de janeiro de 2012

HISTÓRIA DA FILOSOFIA - CAPÍTULO 998


POST LONGO SEM MUITA FIGURINHA,

MAS DEPOIS TEM CHARGE NOVA

E INFATILIDADE FILOSÓFICA



Sim, existe filosofia no Brasil e até filosofia do Brasil. Este blog está aqui para mostrar que é possível filosofar nos trópicos. E é igualmente necessário contar como é difícil ser filósofo no cerrado e adjacências urbanas inóspitas.
Alunos e alunas e novatos, não desistam, pois... não se pode vacilar.
Querem ler uma história de resistência e teimosia? Continuem aqui, neste post, pois há um plano: contar as peripécias de um texto depois do outro. Não é para desanimar ninguém; pelo contrário, eis o caminho das pedras tapiocanga sobre as quais caminhamos descalços e no escuro.
Sem ressentimentos, pois é assim mesmo que a banda toca. E nem chegamos perto de Pirsig, que saiu com seu livro na garupa da moto e passou por mais de cem editoras. Também sofreu pacas o perfeccionista e. e. cummings, que ajuntou umas quinze recusas – e com os títulos das casas metidas a besta ele desenhou um cálice. Um brinde ao custoso sucesso? Ou era o trago amargo de sua obstinação em publicar folhas cadentes?
Nem cummings, nem zenbudismo motociclistico; este livro aqui foi publicado pela primeira editora contactada. No problemo, até aqui. No mais, hasta la vista, babe.

1.      Um dia, a gente ria do velho pipoqueiro no campus da UFU, em Uberlândia. Ele desligava o fio do luminoso da livraria da Edufu, para acender a luz em seu carrinho de pipocas. A diretora  veio negociar com o cara, que tinha sua própria noção de universidade “pública”. Depois de um café forte, a colega me consultou se eu não iria publicar em casa? Nada contra, Maria Clara. Ia pensar. E tinha na gaveta a dissertação de mestrado.

2.      Assisti a uma conferência de Nelson Gomes e fiquei encantado, junto com a platéia. Um cara ia matar o príncipe herdeiro do império austro-húngaro. De repente amarelava; não ia mais. De novo pegava a garrucha. O príncipe errou o caminho e cruzou com o pistoleiro: poW! Morto o rapaz, começa a primeira guerra, que deu origem à segunda, etc. Que classe a do Gomes para falar dos contrafatuais! Era como se víssemos um filme. E se o príncipe não tivesse sido baleado aquele dia? O que teria sido de toda a história desde então? E o palestrante defendia diante de alunos e professores um modelo de filosofia: resolver problemas. Pô! Pensei comigo: fiz isso no mestrado – resolvi um pepino criado por Habermas que nem ele encarou pra valer.

3.      Dois colegas de trabalho estiveram lendo minha dissertação e comentaram pelos corredores duas partes dela: a teoria da argumentação, que passava pela dupla Olbrechts-Tyteca & Perelmann – a nova retórica – e o capítulo sobre os contrafatuais. Com isso, já tinha três apoios, para poder dizer, como se faz: atendendo a inúmeros pedidos, depois de muita hesitação, resolvi publicar essa dissertação, até porque, etc.

4.      Originais encaminhados à Edufu. Parecer sigiloso. Tempos depois, a notícia da aprovação e o longo caminho das revisões. Eu contava as vezes em que passara pelo texto, durante a composição e a revisão, vinte anos antes, e agora: umas doze vezes. E jurei que nunca mais leria esse texto que ia virando obra.

5.      Ivan fez foto e criou capa, conforme minhas sugestões. Lei de Murphy: um raro errinho de composição quis aparecer na última chance, na segunda capa: um reles “que que” na gentil apresentação feita por Vani “Zen”. Tudo bem. Saiu.

6.      Sim, saiu, mas não com a apresentação que eu gostaria de ter acrescentado. De quem? Do próprio Nelson Gomes. Não, não escreveu nem mesmo uma página e, aliás, não apresentou uma desculpa. E Felipe Sahd, meu coordenador na pós, fez um meio de campo, mas nada. E não era só por razões pessoais; um pouco também para reforçar uma tentativa de cooperação entre UnB, UFG e UFU – que poderia levar a um doutorado dessa trinca. Não apostem nisso.  

7.      O livro saiu, graças também ao empenho de nosso colega Humberto Guido, atual diretor da Edufu, que redigiu uma generosa orelha, que dava conta também de minha humilde atuação prática – em nosso sindicato, por exemplo, e junto a movimentos populares; e isso reforçava a arte da capa e o vermelho no subtítulo.

8.      Teríamos um evento local, uma Semana de Filosofia, em 2010, e imaginei um debate, uma mesa-redonda. Cheguei a convidar os dois colegas, que haviam lido a dissertação. Nada de mesa, nem debate. No máximo, eu teria conseguido montar um caixote no horário da tarde, quando os calouros cruzam para lá e para cá no agito das comunicações. Deixa disso! O livro estava impresso e seguiria seu caminho de mercadoria. Que o mercado cuidasse.

9.      Enviei alguns exemplares do livro a alguns colegas que já me presentearam com seus livros ou que fizeram mestrado e doutorado na UFRGS em minhas épocas. Alguns agradecem, comentam. Ok. Curioso é que o exemplar encaminhado ao Prof. Nelson Gomes, na UnB, foi devolvido pelo correio como “destinatário desconhecido”. Parece a novela do pistoleiro querendo e não querendo puxar o gatilho... E depois de duas guerras e muitas batalhas, já não interessa conjecturar sobre o que teria acontecido ao meu livro se Gomes o houvesse enfeitado com seu prefácio. Nada. Eu não estaria rico com vendas turbinadas, nem nada. Mestre eu já era, desde 1986 e ia ficar do mesmo tamanho, como diria Montaigne – nem genial, nem tonto.

10.  Além disso, eis o que é importante: uma boa resenha em uma boa revista! Ricardo Navia, meu colega uruguaio, publicou a resenha na revista Filosofia, da Unisinos. E fiquei muito agradecido, pois é um intelectual muito capaz e sério, embora eu nem sempre consiga acompanhá-lo em sua campanhas de filosofia analítica e de meta-filosofia.

11.  O professor Danilo Marcondes, que fora um de meus argüidores em 1986, era agora em 2011 o representante da área de filosofia na Capes. Peço a nova diretora da pós que leve um exemplar ao Danilo, com cartinha cordial. Geórgia volta de Brasília e...? Nada. Pior: ela entregou o livro a ele. Não houve desvio dessa vez. Ok. Isso também era um pouco de lobby institucional. E serei sempre grato a Danilo, pela elegante argüição e também por me haver emprestado –uma boa quantidade de textos, que copiei e li e citei.

12.  Nova Friburgo, hotel na serra, 1985. A recém-criada ANPOF organizara um colóquio para que a comunidade filosófica brasileira soubesse quem era esse tal de Habermas. Um colega do Rio, Cósimo, ficou sabendo e me deu a dica. Fomos de bicões. A Anpof já nascia elitista e metida a besta. Como é que o meu orientador ou os coordenadores de pós não me convidaram? Forçamos a barra e fomos aceitos como participantes e até descolamos um almoço ou dois. Ali, quem já conhecia algo de Habermas expôs aos demais. Rouanet, Danilo Marcondes, Raul Landim, Herrero e Stein estavam lá. Pedi a meu orientador que me apresentasse aos capas-pretas  e ele disse que ali viria uma dissertação muito boa, pioneira, etc.

13.  No dia da defesa da dissertação, em 1986, a sala da UFRGS ficou cheia e tinha gente assistindo pela janela. A minha foi a quarta defesa naquele programa, que tinha sido restabelecido em 1981, com o fim da ditadura e a volta dos exilados. Só havia esse mestrado, então, em toda a região sul. E naqueles anos a demanda reprimida era grande, alta concorrência com os feras locais.Durante a argüição, Álvaro Valls disse que eu não precisava ter trabalhado tanto. A banca teria concedido ao mineiro o título de mestre apenas com o capítulo primeiro, sobre o conceito de “crítica”. Não dava para lamentar, até porque não havia doutorado ainda lá. E porque eu tinha um problema a resolver e fui – praticamente sozinho – até o fim. Stein, meu querido orientador e guru pelo resto da vida, disse que eu sabia escrever e podia seguir em frente. Uma vez, com o texto pronto para a datilografia final, apenas sugeriu que eu cortasse fora o último parágrafo, onde escapara uma tirada irônica e obscura, sobre revolução. Importante, como faria quatorze anos depois Rodrigo Duarte, é que o orientador Stein referendou minha defesa. Isso, sim, foi o máximo.

14.  Certa vez, Stein recolheu algumas da teses que orientara – e, na verdade, orientava quase a metade de todos os mestrandos – e entregou para o Rouanet, que iria publicar uma coleção sobre teoria crítica. Isso nunca saiu. Durante quase vinte e cinco anos, minha dissertação só podia ser lida na biblioteca da UFU ou quando eu emprestava meu surrado exemplar xerocopiado. Agora certas coisas não importam mais. O livro está nas livrarias e logo chega aos sebos. Na internet, a divulgação é rápida e talvez tudo isso ajude a liquidar com o gênero resenha. Não faz sentido se eu comento meu próprio escrito, que já não agüento ler, depois de quinze vezes. Mas posso garantir que essa dissertação é um trabalho acadêmico padrão, do tipo que serve para cacifar um professor universitário. Nada de ironia e pouca criação pessoal, a não ser pela corajosa empreitada de resolver um problema pesado, que Habermas apenas esboçou: qual é o status epistemológico da antecipação contrafatual de uma situação ideal de fala? Depois disso e de uma nova tese, sobre teorias da crise, é que pude me dar ao luxo de escrever com mais liberdade sobre o ensaio filosófico, entre gêneros literários próximos. Mas essas são outras histórias, que ainda virão a este blog.



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SESSÃO DESTINO DAS CORES

(Experimentos metafísicos em paintbrush)


SESSÃO INFATILIDADES FILOSÓFICAS

(nossa versão da filosofia para crianças)

episódio de hoje:SELEÇÕES INDIGESTAS

Quando eu servia meu país em alguma ilha do Pacífico, fui certa vez com a família a um restaurante típico, onde serviam gororobas típicas, ao som de músicas típicas. Meu filho, que já sabia ler, estranhou que os nativos escrevessem uma terrível ameaça ao pé da comanda, onde a moça da balança anotava a despesa: "a perda desta acarretará o pagamento de mil pesos insulares", o que era equivalente a dez quilos daquele engasga-gato. Nem o mais faminto marinheiro de volta à terra firme comeria tanto. Meu filho de nove anos, muito ativo, que já sabia algo sobre a expectativa de validade simétrica dos deveres e obrigações na sociedade contratualista, encontrou certa vez uma comanda daquelas ainda em branco caída debaixo de uma mesa desocupada e, na sua inocência benevolente em relação às instituições, foi até o caixa com um sorriso no rosto. Esperava receber do proprietário uma nota de mil pesos insulares, pois esse parecia ser o valor do papel timbrado e numerado. E, decerto, assim como as notas de dinheiro, aquela moeda local seria um inquestionável meio de troca universal. Sua decepção foi tamanha diante da negativa daquele capitalista de uma figa, que nunca mais quis saber de restaurantes ao quilo, pois aquilo era um lugar de dois pesos e duas medidas. Revoltado com aquela moeda de mão única, aprendeu a pescar, a caçar, a preparar seu próprio miojo em casa e, sobretudo, a desconfiar das instituições da sociedade ocidental, bem como da oriental.





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