CIA. PANTA REI - MUDANÇAS E FRETES
Conforme já dizia Galileu da Galiléia e, muito antes, Heráclito: tudo muda. Em grego, parece que isso soa algo como “panta rei”. Sim, ele pinta aqui de relance, pois temos que corrigir seu lema: tudo muda, mas pobre só muda de noite. O filósofo da mudança que decerto não sabia que a crise na Grécia futura viria a ser mais feia que mudança de pobre. Sabemos o quanto vamos nos enrolar nesse assunto, pois quem não fala das coisas fixas e essenciais acaba mais perdido que cachorro que caiu do caminhão de mudança. E podem apostar que a cristaleira vai chegar ao destino com o espelho quebrado, o que dificulta sobremaneira a reflexão. E tem rês que esguarita na capoeira, pra nunca mais; vira aquelas brabezas do Jalapão.
AUTO-REFLEXÃO, ou seja, pensamentos motorizados
Em tempos de auto-ajuda, caberia recuperar a simpática expressão “auto-escola”. Por dois motivos, o que não é pouco: o primeiro e o segundo. Para que não reforcemos o costume da moçada que foge da escola. E para evitar o pretensioso modismo CFC, Centro de Formação de Condutores - expressão horrorosa do jargão burocrático, que até parece destruir a camada de ozônio. Longe de ser um discurso de formatura, este post presta homenagem aos precursores, do tempo do platinado e da gasolina azul. Como diria Lichtenberg: aí tem coisa. Desse mato sai coelho.
Fusca azu-prefeitura GYN - e não adianta tunar |
Padre Choux veio de França pra Goiás por volta de 1975. Era botânico e pesquisava liquens. Botava os alunos da UCG pra arrancar e separar aquelas inúteis barbas de pau. Trouxe duas Solex, aquela maravilha da indústria e do design maluco. Uma bicicleta com motorzinho na roda dianteira! Quem viu o filme Meu tio, do Jacques Tati, sabe o quanto essa máquina singela compõe. (Há que se explicar mil vezes aos lesados atendentes de vídeo-locadora que esse “meu tio” não matou um cara...Ça vas!) João e Pedro perguntaram ao Padre Xu pelo motivo de trazer duas Solex igualitas. O barbicha, reencarnação do ranzinza Saint Hilaire, disse que era para tirar peça de uma motoca para consertar a outra. Ou da outra para consertar uma. Mas, e se quebrasse duas vezes?
Já o H. Trimegisto garantia ao comprador do seu fusca azul-prefeitura, trinta anos: “Já troquei quase tudo nele, mas só troquei uma vez.” ( Ah... Será que valia para o óleo também?)
Filosofia prontinha do Djêison, que veio da Síria: “Aquele carrão quadrado da Alfa Romeu é assim: na subida, não tem motor, na descida não tem freio e parado não tem preço.” Esse pescador de exigentes piaus que só comem mortadela de marca voltou a despertar o interesse de um estudioso da literatura mineira do João Rosa, da comitiva do Manuelzão. Onde foi que o mecânico aprendeu a dizer “qualquer paixão me diverte”? Mistério, mistério. Será que é neto do Augusto Matraga? Tem cabimento, tem cabimento. De peixão pra paixão é um pulo. E um pingo e um risco, pra mim é Zé Francisco.
O farmacêutico que virou mecânico e se deu bem conquistou o respeito quando explicou as peripécias daquele motorzinho do Gol 97. Duvida? Confira na net. Pois o motor sem cavalaria alguma é mesmo o que movia o Gordini nos anos cinqüenta... A Renault cedeu o quatro cilindros à Ford argentina que o instalou em Volkswagens, que vinham para o Brasil em nome de uma parceria malandra: Autolatina. Foi um golpe para driblar o plano cruzado do Sarney. Prestem atenção naquele golzinho geração um subindo a ladeira. Parece máquina de costura tocada a pedal.
E agora a Nissan anuncia um carrinho chamado March, com o apelo “agora você poderá ter seu primeiro carro japonês!” Só falam de design e equipamentos, mas não contam que o motor é Renault. Um japonês essencialmente francês. Esperamos não reencontrar o Gordini por aí, na briga dos carros de mil cilindradas.
Eis, de fato, algo que podemos aprender com os mecânicos: o que é essencial? Não se trata de definir essência ou existência, mas tratar do que está escondido debaixo do capô (ou capuz – ah! O capô do fusca... faz sentido, muito sentido...) Os compradores novatos só querem “ver as aparências” e curtem o fetiche do momento: eletrônica, câmeras, comandos de voz, Bluetooth. Ok. Mas o que dizer do motor? O que é que move a Amarok? Difícil descobrir. E a indústria, que sabe dessa psicologia da massa, contrata a propaganda-enganosa para estimular as vendas e criar novas necessidades. E se um carro for feio, muito feio, pode apostar que vão dizer: é uma nova categoria, o carro-design...
Decepcionados? Não com os carros, mas com este texto. Cadê a filosofia do cerrado? Ora, não podemos retomar as dúvidas do Heráclito. Já sabemos do que é feito o mundo e até de que garrafas é feito o painel de plástico reciclado no carro novo. Nossas preocupações são outras, mas o tema da mudança permanece a nos incomodar. O que passa? O que fica? E só ao Cascão interessa aquela anedota que reza “não podemos tomar banho duas vezes no mesmo rio”. No caso do Tietê, é morte certa. Um banho e... um abraço. Caixa-prego.
Pode não parecer, mas é assim que surge uma conversa sobre mudanças. E não se trata de mudar de assunto, mas as enganações na era do capitalismo pós-industrial começam por isso: quem disse que é pós? Mudou de fato a ideologia da indústria da ideologia? Não mudou tanto, pois queremos ser enganados e pagamos por isso.
Nada mais banal que dizer que o mundo está mudando.
Mais vale dizer que a cor faz diferença aqui e ali.
Make up não te deixa dançar em dias de Dancing Days.
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E AÍ VEM A TIRA
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