Os coelhos que trouxeram do mercado tinham a urina clara e ácida, ou seja, mijavam fedido. No laboratório, o cientista achou esquisito. Você pode estranhar e se perguntar: o que é que filosofia tem a ver com o xixi da preá? Ele, o cientista francês, estranhou. Coelho tinha que verter urina turva e alcalina - e não daquele jeito, parecendo cachorro. Epa! Era isso. Ou poderia ser. Hipótese pinta assim, num clic, num repente. Pois, de onde menos se espera salta a lebre.
Aqueles coelhos, pensou Claude, estavam passando fome no mercado e... assumiram comportamento alimentar de carnívoros. Pois urinavam feito carnívoros. Hora dos testes, pois esse Claude foi um dos pais do método experimental (a mãe, ninguém sabe - ou bem era a Dona Curiosité). Olha as idéias do cara: deu capim para os bichinhos. Urina turva. Aí obrigou-os a comer carne cozida. Urina clara. E repetiu o experimento com outros coelhinhos e em outros dias. Mais comida, mais urina, etc.
Bernardinho já podia dizer então que os coelhos, quando passam fome, se tornam carnívoros, na medida em que devoram seu próprio sangue. Mas como poderia afirmar algo assim sobre os "herbívoros"? Para ampliar a sua "proposição geral", convidou um ilustre cavalo a comer carne. Melhor que nada, pensou o faminto marchador. Comeu carne, na marra, e verteu litros de urina típica de um leão.
Pronto. Claude Bernard já podia ampliar sua "teoria" a todos os herbívoros. Outras pessoas apenas torciam o nariz e, ainda hoje, talvez parem de ler este texto nojento. Não precisam parar. Daqui em diante, nada de dejetos de cobaias.
Assim como os herbívoros se transformavam em carnívoros, Claude Bernard foi deixando de ser cientista e passou a fazer reflexões filosóficas sobre sua antiga ocupação. Há outros casos, decerto. O sujeito adquire uma alergia a produtos químicos, por exemplo, e passa a tirar leite de pedra, ou seja, a filosofar com base em notas e com novas invenções mentais.
Muito antes, Hume veio com essa: nada me garante que o sol vá nascer amanhã de novo, mesmo que nós tenhamos visto essa cena milhões de vezes. Não é fácil justificar a indução. Para Claude Bernard, com alguns coelhos e um cavalo, é possível elaborar uma corajosa teoria sobre (todos) os herbívoros.
Se você tiver que apostar, caro leitor, jogue no coelho e desconfie do sol. Ou dê um salto mais alto que uma lebre em fuga: é isso que fazemos, quando queremos dar uma resposta psicológica a um problema lógico. É assim que pulamos por sobre o abismo, em vários casos, segundo um certo Stephen.
Será que algum filósofo especulativo, mascador de palha seca - herbívoro, daí - já se transformou em cientista experimental? É de duvidar. Se pegar umas aulas de filosofia da ciência, irá certamente dar exemplos esquisitos de um assunto que mal domina, tipo onda e corpúsculo. Há muitos outros exemplos em tantas outras ciências. Seria raro esse recuo.
Mas hoje, cabe avisar aos navegantes que Claude Bernard estaria enrolado. E os coelhos e cavalos talvez sofressem menos, pois a ética assiste aos animais - humanos ou nem tanto - e mesmo os que cochilam em gaiolas de mercados, petshops e laboratórios.
O filósofo do cerrado não pretende mudar a dieta de bicho algum e nem a sua própria. Não entende nada de glicose ou de metabolismo, mas sabe que perdeu tempo ao traduzir um livro sobre Claude Bernard. (A academia é uma firma freqüentemente autofágica.) A biografia escrita por Sertillanges é ótima, mas faltou uma revisão, etc. E agora já era. Aquele rascunho continuará cada vez mais turvo e ácido em alguma gaveta.
A alegria do mestre, caro Gafanhoto, é ser superado pelo discípulo. Neste caso, uma aluna, que escreveu excelente resenha, diretamente da edição original francesa. Vai aqui uma amostra. De repente, se ela concordar, publicamos por aí e indicamos o endereço.
ANTES, PORÉM: Esses simpáticos desenhos bordados em ponto cruz fazem homenagem à Idelma da Guia e a todas as bordadeiras, inclusive as que doaram imagens na net. E, para alguns filósofos que não curtiram a ilustração, os motivos podem valer como lembrete, pois essa vetusta ciência, com o apoio de uma estacionária filosofia da ciência, caiu no estereótipo, virou coisa de criança.
Aqueles coelhos, pensou Claude, estavam passando fome no mercado e... assumiram comportamento alimentar de carnívoros. Pois urinavam feito carnívoros. Hora dos testes, pois esse Claude foi um dos pais do método experimental (a mãe, ninguém sabe - ou bem era a Dona Curiosité). Olha as idéias do cara: deu capim para os bichinhos. Urina turva. Aí obrigou-os a comer carne cozida. Urina clara. E repetiu o experimento com outros coelhinhos e em outros dias. Mais comida, mais urina, etc.
Bernardinho já podia dizer então que os coelhos, quando passam fome, se tornam carnívoros, na medida em que devoram seu próprio sangue. Mas como poderia afirmar algo assim sobre os "herbívoros"? Para ampliar a sua "proposição geral", convidou um ilustre cavalo a comer carne. Melhor que nada, pensou o faminto marchador. Comeu carne, na marra, e verteu litros de urina típica de um leão.
Pronto. Claude Bernard já podia ampliar sua "teoria" a todos os herbívoros. Outras pessoas apenas torciam o nariz e, ainda hoje, talvez parem de ler este texto nojento. Não precisam parar. Daqui em diante, nada de dejetos de cobaias.
Assim como os herbívoros se transformavam em carnívoros, Claude Bernard foi deixando de ser cientista e passou a fazer reflexões filosóficas sobre sua antiga ocupação. Há outros casos, decerto. O sujeito adquire uma alergia a produtos químicos, por exemplo, e passa a tirar leite de pedra, ou seja, a filosofar com base em notas e com novas invenções mentais.
Muito antes, Hume veio com essa: nada me garante que o sol vá nascer amanhã de novo, mesmo que nós tenhamos visto essa cena milhões de vezes. Não é fácil justificar a indução. Para Claude Bernard, com alguns coelhos e um cavalo, é possível elaborar uma corajosa teoria sobre (todos) os herbívoros.
Se você tiver que apostar, caro leitor, jogue no coelho e desconfie do sol. Ou dê um salto mais alto que uma lebre em fuga: é isso que fazemos, quando queremos dar uma resposta psicológica a um problema lógico. É assim que pulamos por sobre o abismo, em vários casos, segundo um certo Stephen.
Será que algum filósofo especulativo, mascador de palha seca - herbívoro, daí - já se transformou em cientista experimental? É de duvidar. Se pegar umas aulas de filosofia da ciência, irá certamente dar exemplos esquisitos de um assunto que mal domina, tipo onda e corpúsculo. Há muitos outros exemplos em tantas outras ciências. Seria raro esse recuo.
Mas hoje, cabe avisar aos navegantes que Claude Bernard estaria enrolado. E os coelhos e cavalos talvez sofressem menos, pois a ética assiste aos animais - humanos ou nem tanto - e mesmo os que cochilam em gaiolas de mercados, petshops e laboratórios.
O filósofo do cerrado não pretende mudar a dieta de bicho algum e nem a sua própria. Não entende nada de glicose ou de metabolismo, mas sabe que perdeu tempo ao traduzir um livro sobre Claude Bernard. (A academia é uma firma freqüentemente autofágica.) A biografia escrita por Sertillanges é ótima, mas faltou uma revisão, etc. E agora já era. Aquele rascunho continuará cada vez mais turvo e ácido em alguma gaveta.
A alegria do mestre, caro Gafanhoto, é ser superado pelo discípulo. Neste caso, uma aluna, que escreveu excelente resenha, diretamente da edição original francesa. Vai aqui uma amostra. De repente, se ela concordar, publicamos por aí e indicamos o endereço.
ANTES, PORÉM: Esses simpáticos desenhos bordados em ponto cruz fazem homenagem à Idelma da Guia e a todas as bordadeiras, inclusive as que doaram imagens na net. E, para alguns filósofos que não curtiram a ilustração, os motivos podem valer como lembrete, pois essa vetusta ciência, com o apoio de uma estacionária filosofia da ciência, caiu no estereótipo, virou coisa de criança.
==========================
RESENHA : SERTILLANGES, A. La philosophie de Claude Bernard. Aubier: Edições Montaigne, 1943. 255 pg.
C. de S. Neves
Claude Bernard – Vida e obra
Claude Bernard nasce no dia 13 de julho de 1813, filho de um viticultor, posteriormente, professor primário e de uma mãe digna de um culto rendido durante toda a sua vida. Quando criança freqüentava o coral da paróquia onde aprende latim e prossegue os estudos no colégio de Ville-Franche empregando-se em seguida na residência de um fármaco onde vê suscitadas suas primeiras questões epistemológicas. Desejoso de uma ascensão pessoal ele chega a compor um drama teatral sendo, no entanto, convencido a prosseguir na carreira científica. Resultados medianos revelam sua inadequação às disciplinas de ensino, sua vocação diz respeito à pesquisa e não à clínica ou ao ensino. A distinção concedida a sua pessoa pelo seu mestre Magendie capacita-o a dedicar-se exclusivamente à atividade apaixonante da descoberta em detrimento do ensino. Em 1845 é para ele criada uma cadeira de fisiologia geral na Sorbone e no mesmo ano Bernard é recebido na Academia de ciências. Apenas em 1868 que Claude Bernard cede sua cadeira na Sorbone a seu discípulo Paul Bert para ocupar aquela de fisiologia no Museu de História Natural, sua eleição bem sucedida à Academia francesa e no ano seguinte ao cargo de senador o consagram definitivamente como um grande homem. PauL Bert retrata sensivelmente o seu mestre como digno de admiração por sua iniciativa e tenacidade, uma sabedoria tranqüila e uma simplicidade serena eram características do seu gênio. No inverno de 1877 adquire uma inflamação renal, anúncio de um fim próximo. Lamenta não mais poder dedicar-se a novas descobertas e, em fevereiro de 1878 sucumbe serenamente à morte. (...)
2 comentários:
professor , ta faltando um"L" no nome de Paul Bert. è na sexta linha de baixo pra cima , no cantinho direito. Abraços.Walquiria
Ok... foi acrescentado um baita L ao p. E isso me lembrou aquele trio de Cajazeiras que tietava o prefeito Odorico Paraguaçu...
até+
BB
Postar um comentário