O filósofo que ficou a pé
Um filósofo brasileiro escreveu um livro sobre ética. Eram mil exemplares por edição e ele ganhava um real por livro. Depois de quinze edições, em quinze anos, ele comprou um carro mil, que custava quinze mil. Estava feliz com o sucesso do livro e com o carrinho, tipo “é mil, mas é meu”. Mas, de repente, tchê! Era mil e não era dele mais... O carro foi roubado. Roubaram o carro dele. Quem? Ladrões sem ética nenhuma. O que é ética? Qualé, mano... Nada a ver, mané. Pior: talvez nem tivessem CNH e nem capacidade para levar o fuca até a fronteira e vendê-lo por mixaria. Mundo cão dos desmanches. E ainda perguntam pra que serve a filosofia? Servia, serviu por uns tempos. Mas isso não há de ser nada. Não demora ele escreve um manual de bio-ética e fatura barbaridade. E aí compra um SUV, cheio de alarmes e cadeados. Loco de bueno.
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O poeta que foi pra Trancoso (e seu fiel escudeiro)
Ele foi pra Bahia com um galo na testa, mas de início não dava pra saber. O poeta tinha sido hippie de verdade, que colheu com a mão a pimenta e o sal, em seu quintal. Mas um dia viu que não ia viver entre carneiros e cabras, livros e discos. Feito Zé Rodrix, volta pra urbe e militou na poesia, lendo versos para operários na folga do café, doidos pra voltar para a linha de montagem e o radinho breganejo.
Aí o poeta sumiu. Deu uma banda, de repente. Notícia: estaria em uma praia baiana, curtindo um lance de montar um sebo de livros e discos. E andava de charrete. Quem contou pra galera? Foi outro maluco da turma meia-oito, que também iria de carona para lá. Fazer o quê? Guiar a charrete do chegado, dar um help nos trampos. E os demais a sonhar, a viajar na viagem dos poetas e malucos.
De repente, reaparece o poeta, queimado de sol, sim, mas com cara fechada, o ar grave. E sapeca uma pergunta que deixou boquiaberta uma dupla de filósofos nesse tórrido cerrado: “Qual a diferença entre ética e moral?”
A gente ali, esperando notícias da Bahia, da rapeize, as mulatas, os lances, tipo assim que merecessem os comentários “aí róla” e “não pode é vacilar”. E eis que ele nos vem, da terra de Gregório de Matos insinuando guerras conceituais? Capaz.
Não era bem assim. Correu depois a notícia, no círculo restrito da categoria, que ambos, o poeta e seu escudeiro, tiveram que se mudar. Corriam risco de vida, sob ameaças explícitas e reiteradas. Descobriram e denunciaram um esquema de desvio de verbas públicas. Eram colegas de trabalho e fizeram juntos o que mandou sua consciência moral (ou ética) e política. E deu no que deu.
Caso clássico de aparências enganosas: não foram passear tipo Jack pé-na-estrada Kerouac. Nada disso. Barra pesada de terceiro mundo mafioso capaz de tomar merenda de criança pobre. E não partiram de um acerto de conceitos, tipo monografia escolástica. Agiram em cima do lance, por princípios – inclusive depois, ao preservarem o bem maior, a própria vida. Aí, a posteriori, no meio da reconstrução racional, é que ocorre a um deles classificar uma prática – ética ou moral ? – quando, na prática, tanto fez: estava feito. Aí vem a reflexão na hora vespertina em que a coruja sai da toca pra sobrevoar o litoral onde um dia de abril aportou Cabral.
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